Música, Janis Joplin, Pearl
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Doze grandes discos com 50 anos: 1971

Foi um ano de colheita impressionante. Eis uma selecção possível de grandes discos lançados em 1971 e que ajudaram a definir a década.

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Há 50 anos, os Beatles já tinham desaparecido e Jimi Hendrix também. Chegava ao fim a década que começou com a candura de “Love Me Do” e terminou com loucura dos grandes festivais de Woodstock e Altamont. Era urgente inventar outra coisa e muita gente com muito talento desatou a remar em muitas direcções. Parte do resultado está nestes discos. Escolhemos apenas uma dúzia deles, uns por serem incontornáveis, outros pelo simbolismo, outros ainda porque simplesmente merecem ser redescobertos. Mas a oferta é muito mais farta e dava tranquilamente para uma lista de 50 grandes discos que fazem 50 anos – e isto sem sair do universo anglo-saxónico. Por isso deixamos uma listinha no final para o ajudar a demonstrar que “estes gajos não percebem nada disto” e fazer a sua própria selecção.

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Dez grandes discos com 50 anos: 1971

‘Led Zeppelin IV’, Led Zeppelin

É um daqueles casos em que podemos ser hiperbólicos à vontade, sem receio de grandes desavenças: o quarto álbum de estúdio dos Led Zeppelin é um monumento. Foi um êxito consensual de público e crítica, vendeu 137 milhões de cópias em todo o mundo e não escapa a qualquer lista que se preze dos melhores álbuns na história do rock. Uma mistura explosiva de folk, heavy metal, rock 'n' roll à antiga e muita inspiração de blues, que não só cunhou definitivamente a sonoridade da banda britânica como ajudou a redefinir os caminhos da música popular: se pudermos falar de uma identidade musical da década de 70, este é um dos seus capítulos essenciais. Tudo isso está, aliás, mais ou menos resumido em “Stairway To Heaven”, que se transformaria inevitavelmente na canção-assinatura dos Zeppelin.

Curiosidade: As sessões de ensaios e primeiras gravações foram feitas em Headley Grange, famoso estúdio instalado numa casa de campo no Hampshire, sul de Inglaterra, que foi refúgio também para Fleetwood Mac, Genesis, Peter Frampton e muitos outros. A canção "Black Dog" foi baptizada em homenagem a um cão vadio que costumava rondar a casa por aqueles dias.

‘Sticky Fingers’, Rolling Stones

Tudo neste álbum é história, a começar pela capa imaginada por Andy Warhol, que trazia um fecho éclair sobre a imagem de uma calça de ganga, moldada pelo que se supunha ser um pénis erecto, e que se abria para revelar umas cuecas de algodão. Lá dentro (do disco, não das cuecas) estava provavelmente o melhor disco da banda até à data, cozinhado de referências já então consolidadas nos Stones  – sexo, drogas e rock 'n' roll  – com um irresistível toque de blues, que iria marcar o som da banda nos anos seguintes (e para que muito contribuiu o guitarrista Mick Taylor). Uma colecção notável de canções, sem pingo de gordura no alinhamento, a começar na entrada perfeita com “Brown Sugar” e a terminar na deliciosa japonesada de “Moonlight Mile”, passando por “Wild Horses”, candidata óbvia a melhor balada de sempre dos Stones.

Curiosidade: Na Espanha beata e franquista de 1971, a capa original foi substituída por uma fotografia que mostrava três dedos femininos a sair de uma lata com líquido escuro. Além disso, os versos em louvor de Sister Morphine tiveram de dar lugar a Let it Rock, cover do tema de Chuck Berry.

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‘Teaser and the Firecat’, Cat Stevens

Nasceu Steven Demetre Georgiou e decidiu chamar-se Yusuf Islam. Algures pelo meio, adoptou o nome artístico Cat Stevens e é assim que mais gostamos dele. Teaser and the Firecat é o seu quinto álbum de estúdio, e foi com ele que o músico britânico conquistou a América (foi tripla platina nos Estados Unidos, por vendas superiores a três milhões) e se instalou definitivamente no olimpo dos cantautores. É um dos melhores exemplares do vínculo que Stevens estabeleceu entre a folk britânica e a pop e inclui três singles de antologia: Moon Shadow, Morning Has Broken e Peace Train.

Curiosidade: Embora não creditada na ficha técnica, a entrada de piano de Morning Has Broken é tocada por Rick Wakeman, o lendário teclista dos Yes.

‘Hunky Dory’, David Bowie

Dizer de Bowie que era um camaleão tornou-se num cliché estafado. Mas os lugares-comuns têm a sua razão de ser e essa comparação com um réptil, embora insuficiente para nos aproximar do que Bowie é, continua útil para catalogar o músico que Bowie foi. Essa versatilidade camaleónica começa por se expressar neste admirável disco. Hunky Dory é uma viagem vadia entre estilos, da folk (não há melhor uso de “camaleónico” do que “Quicksand”, homenagem a Neil Young), ao rock (acústico e meio alucinado em “Andy Warhol”) ou até sons de salão e cabaret (Kooks, Fill Your Heart). Tudo unido pela mesma composição inspirada, uma caligrafia melódica elegantíssima e harmonias pouco óbvias. Uma obra prima de arte pop, que nos deu clássicos como “Changes”, “Oh! You Pretty Things” e “Life on Mars?”.

Curiosidade: É o segundo álbum nesta lista em que nos cruzamos com Rick Wakeman, dos Yes. É seu o piano que se ouve à solta pelo disco – maravilhoso em “Life on Mars?”.

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‘Pearl’, Janis Joplin

Pearl é o mais bem tocado e bem cuidado dos discos de Janis Joplin. Escuta-se a Full Tilt Boogie Band, a melhor banda que teve e que a acompanhou no derradeiro ano, e sente-se a direcção de Paul Rothchild, produtor dos Doors (50 anos depois, o som permanece impecável). É também o seu disco mais bem cantado, pleno de sentimento, cru e selvagem, um vínculo irrevogável entre o belo e o trágico. A 4 de Outubro de 1970, Janis Joplin, 27 anos, morria de overdose. Não tinha ainda completado as gravações e por isso este Pearl, editado três meses depois, inclui momentos inacabados como “Buried Alive in the Blues”, tema a que não chegou a emprestar voz e que ficou instrumental. Um disco de antologia que inclui algumas das entradas mais célebres do seu catálogo, como “Me and Bobby McGee”, “Cry Baby” ou “Mercedes Benz”.

Curiosidade: “Me and Bobby McGee” foi o segundo single póstumo da história a alcançar o n.º 1 do Billboard Hot 100. O primeiro foi "The Dock of the Bay", de Otis Redding (1968).

‘What’s Going On’, Marvin Gaye

Até aqui, ele tinha sido o Príncipe da Motown. Ao longo da década de 60, Marvin Gaye tornou-se na mais proeminente voz da companhia discográfica de Detroit, com mais de 30 hit singles, entre os quais se contam clássicos como “Heard It Through the Grapevine”. Aos 31 anos, porém, abdicou do título, libertou-se dos limites impostos pela máquina de fazer sucessos da Motown, cansou de ser (só) sexy e assumiu-se como um cantautor por inteiro. O irmão escrevia-lhe cartas sofridas do Vietname, os Estados Unidos viviam um dos períodos sociais mais conturbados do pós-segunda guerra, o seu casamento desmoronava-se, a sua parceira artística Tammi Terrell tinha acabado de morrer prematuramente (em Março de 1970) – tudo isso foi combustível para um disco de catarse pessoal e colectiva que vendeu dois milhões de exemplares num ápice. Uma obra assumidamente política, em que um veterano do Vietname serve de narrador e se abordam de frente questões como a exclusão social, a pobreza e a toxicodependência, a brutalidade policial e até questões ecológicas (“Mercy, Mercy Me”).

Curiosidade: Inicialmente, Berry Gordon, executivo da Motown, recusou-se a editar o single “What’s Going On”, temendo o seu pendor político. Marvin Gaye respondeu fazendo greve. A editora cedeu e o single chegou ao n.º 1 do top Billboard R&B.

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‘Imagine’, John Lennon

É daqueles casos em que um single abafou um álbum inteiro. Apesar de “Imagine”, a canção, ser a mais puída de todas as criações de Lennon depois dos Beatles, Imagine, o álbum, mantém uma frescura impressionante e pede para ser redescoberto. Disputa com o predecessor e mais político Plastic Ono Band o título de melhor álbum da sua carreira a solo e, embora lhe falte o sentido de unidade do primeiro, guarda um acervo admirável de canções. Entre elas, escuta-se “How Do You Sleep”, um ataque violento, ainda que cifrado, a Paul McCartney, no auge da desavença que desfez a mais bem sucedida dupla criativa na história da música popular. Haveriam de se reconciliar definitivamente lá para 1975.

Curiosidade: A dentada em McCartney não se ficou por aí. As primeiras edições de Imagine incluíam um cartão-postal com uma foto de Lennon a segurar um porco, numa paródia a Paul McCartney, que no álbum Ram, lançado nesse ano, segura um carneiro pelos chifres (ver entrada seguinte).

‘Ram’, Paul McCartney

Viviam-se tempos de ressentimento entre os ex-Beatles e o mundo contava espingardas entre eles. Um ano antes, Lennon tinha já lançado o excelente Plastic Ono Band, George Harrison tinha roçado a perfeição com com o triplo LP All Things Must Pass, e McCartney parecia ter ficado aquém com McCartney, álbum homónimo de estreia a solo (outro que merece ser redescoberto, já agora). Ram foi mal acolhido pela crítica mas bem recebido pelo público: n.º 1 do top álbuns no Reino Unido, n.º 2 nos Estados Unidos. É um belíssimo disco produzido com uma simplicidade caseira, muito distante dos épicos de Abbey Road, e reconhecido hoje como uma espécie de precursor do indie rock, mas com umas décadas de avanço. Uma dúzia certa de canções, onde se incluem pérolas como “Dear Boy”, “Heart of the Country” ou o díptico “Uncle Albert/Admiral Halsey”, que comprovam duas coisas essenciais sobre McCartney: que é um intérprete rock ao nível de poucos e um dos maiores melodistas da história da música popular.

Curiosidade: Muito se especulou sobre quanto do que aqui está é recado para os Beatles. McCartney garante que é pouco. Mas reconhece que “Too Many People” é dirigido a Lennon e Yoko. A canção critica o proselitismo moralista de quem acha que tem sempre algo a ensinar aos outros. Mas pronto, depois lá se reconciliaram.

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‘The Concert for Bangladesh’, George Harrison

Houve um tempo em que a malta do rock acreditava que podia salvar o mundo. Sobretudo ao longo dos anos 80, são vários os exemplos de hinos gravados por magotes de celebridades reunidas em estúdio ou em palco com intentos beneficentes. E este será o precursor entre esses grandes eventos de filantropia pop. A iniciativa de Harrison e Ravi Shankar segue-se ao genocídio bengali de 1971, ocorrido durante a guerra pela independência do Paquistão Oriental (depois Bangladesh). A 1 de Agosto de 1971, no palco do Madison Square Garden, reuniram uma superbanda que incluía Ringo Starr, Eric Clapton, Ali Akbar Khan, Billy Preston, Leon Russell e Bob Dylan. Mais que pelo dinheiro que reuniu (que em parte acabou preso por direitos de editoras e outras questões magnânimas), o evento cumpriu o propósito humanitário pelo sucesso mediático e pela consciência que gerou. The Concert for Bangladesh é, nesse sentido, sobretudo um documento histórico. Mas é também um delicioso registo ao vivo.

Curiosidade: A recepção crítica aos dois concertos (houve um à tarde, outro à noite) foi de um entusiasmo assinalável. A Billboard, por exemplo, descreveu as actuações dos artistas em palco como “as suas melhores de sempre, e a NME titulou o evento como "The Greatest Rock Spectacle of the Decade!"

‘Blue’, Joni Mitchell

Há poucas coisas nesta vida mais inspiradoras do que um desgosto. Gravado pouco depois de Joni Mitchell se ter separado de Graham Nash, Blue é frequentemente citado como o melhor disco de sempre sobre separações. Mas é mais que isso. É um dos melhores discos pop-folk de sempre. É uma obra-prima confessional, feita de perda e solidão, amargura e abandono, dores de corno e de cotovelo. É a separação de Nash, a evocação do fim da curta relação com Leonard Cohen (“Case of You”), é a mágoa de entregar uma filha para adopção aos 21 anos (“Little Green”). E mesmo canções solares como “All I Want, My Old Man ou Carey são atravessadas por um agridoce melancólico. Tudo cantado com uma força precisa, quase sempre empurrada apenas por uma guitarra ou um piano, à vez. Nunca ninguém chafurdou na desesperança com esta graciosidade, poucas vezes alguém se despiu em público com esta elegância.

Curiosidade: James Taylor, que toca guitarra em California, All I Want, A Case of You”, foi a paixão seguinte de Mitchell. O tema “Blue”, suspeita-se, foi escrito para ele.

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‘Songs of Love and Hate’, Leonard Cohen

Gravado às portas dos 40, Songs of Love and Hate traz-nos Cohen em plena forma na escrita e com uma capacidade de interpretação (naquele sentido de fazer milagres com o pouco que a natureza lhe deu) que não se lhe havia escutado nos dois álbuns precedentes (Songs of Leonard Cohen, de 1967, e Songs From a Room, de 1969). Um arquivo de oito canções que, como o título denuncia, se pode arrumar numa gaveta de amor, seja ele de expressão mais física ou espiritual; e noutra de ódio, que talvez seja melhor traduzir por menosprezo, miséria e angústia, e que na verdade só podem ser sentidos assim por quem sentiu um amor morrer-lhe. O resultado é um disco que pode ser e deve ser escutado como um livro de poesia. Temas como “Famous Blue Raincoat, Love Calls You by Your Name ou “Joan of Arc” figuram facilmente numa colectânea dos melhores momentos de Cohen.

Curiosidade: Na biografia Various Positions, assinada por Ira Nadel, explica-se que a maioria destas canções datam de períodos bem anteriores a 1971. Dress Rehearsal Rag”, por exemplo, tinha já sido gravado cinco anos antes por Judy Collins.

‘Aqualung’, Jethro Tull

É a melhor peça na área do rock progressivo deste ano, numa altura em que todos os anos o género surpreendia com novos capítulos. Embora o verdadeiro salto dos Jethro Tull para esse campo apenas se dê definitivamente um ano depois com Thick as a Brick, a verdade é que aqui já encontramos todos os traços essenciais do progressivo, da composição sofisticada às construções líricas complexas. Conceptualmente, é um dos grandes libelos nascido da iconoclastia obstinada de Ian Anderson, um grito anti-autoritarismo, uma oposição aberta à religião institucionalizada em favor de um espiritualismo livre e uma denúncia contra o moralismo religioso ortodoxo em suma, um manifesto pela distinção entre deus e religião. Musicalmente é um magnífico disco de rock, temperado de laivos psicadélicos e, sobretudo, pela inspiração folk que é fundadora da banda.

Curiosidade: Há seis outtakes do álbum que apenas foram incluídos nas reedições em CD, de 1996 e 1999. Entre elas está “Bourée”, uma adaptação que Ian Anderson fez com a sua indomável flauta transversal da peça de Bach, originalmente composta para alaúde, e que hoje integra várias colectâneas dos Jethro Tull.

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Mais da colheita de 1971

Master of Reality, Black Sabbath; Every Picture Tells a Story, Rod Stewart; Electric Warrior, T-Rex; American Pie, Don McLean; L.A. Woman, The Doors; 4 Way Street, Crosby, Stills, Nash and Young; Songs for Beginners, Graham Nash; Madman Across the Water, Elton John; Tupelo Honey, Van Morrison; Shaft OST, Isaac Hayes; Who's Next, The Who; Mud Slide Slim and the Blue Horizon, James Taylor; Nursery Cryme, Genesis; Crazy Horse, Crazy Horse; Every Good Boy Deserves Favour, Moody Blues; Future Games, Fleetwood Mac; Acquiring the Taste, Gentle Giant; Here Comes the Sun, Nina Simone; Surf's Up, The Beach Boys; Love it to Death, Alice Cooper; Live at Fillmore West, Aretha Franklin; Just As I Am, Bill Withers; Tapestry, Carole King; ZZ Top's First Album, ZZ Top; The Cry of Love, Jimi Hendrix; The Doobie Brothers, The Doobie Brothers; Where I'm Coming From, Stevie Wonder; Chicago III, Chicago; Maybe Tomorrow, Jackson 5; Bryter Layter, Nick Drake; Sky's the Limit, The Temptations; Cold Spring Harbor, Billy Joel; Meddle, Pink Floyd; Man in Black, Johnny Cash; Byrdmaniax, The Byrds; Indelibly Stamped, Supertramp; Maggot Brain, Funkadelic; Fire Ball, Deep Purple; Cahoots, The Band; A Space in Time, Ten Years After; Bark, Jefferson Airplane; 200 Motels, Frank Zappa; Trafalgar, Bee Gees; Rock Love, Steve Miller Band; Muswell Hillbillies, The Kinks; Bonnie Raitt, Bonnie Raitt; Anticipation, Carly Simon; Islands, King Crimson…

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