Gisela João
Gisela João fotografada por Estelle Valente
Gisela João fotografada por Estelle Valente

Gisela João: “Não há nada que tenha crescido sem sofrer mutações”

Onze anos depois da edição do álbum de estreia, homónimo, Gisela João prepara-se para revisitar as velhas canções, sábado, no novo 8 Marvila. Falámos antes da festa.

Luís Filipe Rodrigues
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“Queres ficar a saber tanto como a filha mais velha dos meus pais?” É assim que Gisela João responde, com boa disposição, mel na voz e um sorriso no rosto, quando a interrogam sobre os seus planos para os próximos meses. O gravador está ligado há meia-hora e a conversa gira em torno dos concertos deste sábado, 20 de Janeiro, no 8 Marvila, e do próximo, 27, no Museu do Carro Eléctrico do Porto; e dos “dez anos (mais um)” do álbum de estreia em nome próprio. Pelo meio, fala-se de tudo e de nada, e nunca se coíbe de responder – até que se tenta aprofundar o que vai acontecer nessas noites. Aí fecha-se em copas. “É surpresa”, repete várias vezes. E desistimos da futurologia.

Editado em 2013, o homónimo Gisela João foi universalmente acarinhado. Contra a corrente, era um disco de fado tradicional numa altura em que outras jovens fadistas piscavam o olho à pop. Seguiu-se, em 2016, Nua, continuação e superação do álbum de estreia, irrepreensível; e, em 2021, aventurou-se a gravar AuRora, mais arrojado, com canções originais e composições suas, aliando o seu gosta pelo canção de Lisboa e pela música electrónica. “Lembro-me perfeitamente na minha adolescência de estar no Indústria a dançar, ou no Vaticano [em Barcelos], e ao mesmo tempo que estava a tocar um Frankie Knuckles, por exemplo, eu estava a cantar um fado ao ouvido de um amigo ou de uma amiga”, recorda. “Fui sempre influenciada por estas músicas, por estes sons.”

Só não tentou aproximar mais cedo estes dois mundos, que desde pequena a puxaram para as suas órbitas, porque a aconselharam a não ir por aí quando estava a lançar-se a solo. Era nova e ninguém a “conhecia de lado nenhum”, ainda era cedo para embarcar em aventuras, para fazer experiências. “O público precisava de saber em que prateleira me pôr”, diz. “Em que caixinha.” Assim que pôde, no entanto, saiu da caixa. “Fazer mais do mesmo e ficar sempre na zona de conforto é muito fácil”, admite. Mas para ela não era uma opção. Prefere “que as pessoas experimentem, que as pessoas se expressem. Nem que seja para fazer uma música e no dia seguinte se dizer ‘isto é uma merda’ e não voltar a fazer”, continua. “Porque não há nada, principalmente no mundo das artes, que tenha crescido e que se tenha tornado uma coisa melhor sem haver experimentos, sem sofrer mutações.”

Pode não querer dizer nada sobre o que vai fazer nos próximos dois sábados, no entanto, lendo nas entrelinhas, percebe-se que dificilmente se limitará a recriar as canções do disco de estreia tais como eram. Para começar, porque Ricardo Parreira (guitarra portuguesa), Nelson Aleixo (viola clássica) e Francisco Gaspar (viola baixo), que a têm acompanhado nestes dez anos, vão estar a tocar com o seu namorado, o músico Justin Stanton, dos premiados Snarky Puppy, nas teclas e sintetizadores. O DJ, produtor e amigo Xinobi também se vai juntar à festa – “porque isto não é um concerto, é uma festa”, faz questão de dizer. “Vou cantar, vou visitar aquele disco, tenho o Xinobi como convidado para depois ficarmos a dançar, há uma exposição. É uma experiência imersiva.” 

Também é improvável que cante a “Casa da Mariquinhas (a Nova)”, que a rapper Capicua escreveu para ela há 11 anos. “Há muitas versões da ‘Casa da Mariquinhas’ e cada uma é quase um espelho do que o nosso país era na época em que foram escritas”. Menciona o original de Marceneiro, óbvio, mas também as versões de Amália (“Vou Dar de Beber À Dor”), de Hermínia Silva (“Vou Dar de Beber À Alegria”), entre outras. “No meu primeiro disco, tinha a ‘Casa da Mariquinhas (a Nova)’, que reflectia os anos da Troika”, sublinha. “Só que entretanto temos uma nova versão que é o ‘Hostel da Mariquinhas’, que é mais uma vez um espelho daquilo que tem acontecido nos últimos anos.”

“Fizemos essa música para o AuRora. Já estava tudo gravado desde o final de 2019 e era para sair em Abril de 2020, mas entretanto a pandemia rebentou e o disco ficou na gaveta”, prossegue. “Quando finalmente decidi pô-lo na rua, quis tirar o ‘Hostel da Mariquinhas’, por uma questão de respeito. Naquela altura, as pessoas da hotelaria e da restauração estavam muito assustadas, muitas fecharam os negócios e perderam os seus empregos. Se fosse uma dessas pessoas, não me sentiria muito confortável ao ouvir o ‘Hostel da Mariquinhas’.” Pausa. “Só que, entretanto, as coisas mudaram drasticamente. Os hotéis estão cheios, os restaurantes também, e a crise da habitação atingiu uma dimensão...” Por um momento, faltam-lhe as palavras. Não faz mal. A canção fala por si, diz que “só é pena o português não ganhar para o T3/ e ter que mudar para lá da Cochinchina”. O mais certo é ouvirmos estes versos ao vivo nos próximos sábados. Ela não diz que sim nem que não, porém. “Para não estragar a surpresa”.

8 Marvila. 20 Jan (Sáb). 21.00. 20€.

Continuamos à conversa

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