JOY DIVISION (2004)

Dez grandes discos com 40 anos: 1980

1980 foi o ano em que o post-punk desabrochou em pleno nos pardacentos subúrbios industriais britânicos – e seria também o último ano de uma das suas figuras emblemáticas.

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A Joy Division e os The Cure confirmaram as promessas dos discos de estreia, Siouxsie and the Banshees reencontraram o rumo com uma nova formação, e tiveram lugar as estreias em longa duração de Echo and the Bunnymen, U2, Bauhaus, The Sound, The Teardrop Explodes e Killing Joke. Bem longe dali em termos geográficos, mas próximos em termos estéticos, surgiam os primeiros discos dos Tuxedomoon (em São Francisco) e dos The Birthday Party, de Nick Cave (em Melbourne). À margem dos ambientes depressivos e lúgubres, estreavam-se os bucólicos e impressionistas The Durutti Column, de Vini Reily, e os ultra-minimalistas Young Marble Giants. Quem passou mais semanas (29!) no top indie britânico foi Grotesque, o terceiro álbum dos The Fall.

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Dez grandes discos com 40 anos: 1980

1. “Closer”, Joy Division

A história da Joy Division foi tragicamente breve e resume-se a dois álbuns de estúdio, Unknow Pleasures (1979) e Closer, e meia dúzia de singles. Closer foi gravado na segunda quinzena de Março de 1980 e quando foi lançado, a 18 de Julho, já era um álbum póstumo: Ian Curtis, o carismático vocalista, suicidara-se dois meses antes e os restantes membros da banda – Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris – tinham decidido prosseguir sob um novo nome: New Order. O novo nome não foi uma escolha feliz (os três músicos alegaram não fazer ideia de que poderia ter conotações fascistas) mas a mudança em si foi uma decisão atilada, já que a sonoridade e imaginário dos New Order rapidamente divergiria da Joy Division e Curtis não se reveria, provavelmente, na música de dança polida e destituída de alma com que os New Order conquistaram as tabelas de vendas.

Closer é um disco mais elaborado do que Unknow Pleasures e em que os teclados ganham protagonismo, contribuindo, com a produção de Martin Hannett, para criar um ambiente frio, sepulcral e claustrofóbico. No centro, absorvendo toda a luz em sua volta como um buraco negro, estão, claro, a voz e as letras de Curtis. As letras bastariam para qualquer pessoa com algum discernimento perceber que Curtis estava a internar-se num deserto tenebroso de onde poucos viajantes regressam – mas os seus colegas de banda, dando mostras de uma insensibilidade asinina, nunca suspeitaram de nada.

[“Heart and Soul”]

2. “Seventeen Seconds”, The Cure

Também os The Cure, que se tinham estreado em 1979 com Three Imaginary Boys, lançaram em 1980 o seu opus 2, após algumas mudanças de formação – que seriam uma constante na longa carreira da banda comandada por Robert Smith, o seu único membro permanente. O primeiro single, “A Forest”, foi o primeiro a entrar no top 40 britânico (subiu até ao lugar 31), e o álbum trepou até ao lugar 20, apesar de ser menos pop e mais “gótico” e sombrio que o anterior.

[“Play for Today”]

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3. “In the Flat Field”, Bauhaus

O ambiente de Seventeen Seconds, visto por alguma crítica e público como árido e desolado, fazia figura de prado florido e ensolarado ao pé de In the Flat Field, o álbum de estreia dos Bauhaus, banda formada em Northampton em 1978 por Peter Murphy (voz), Daniel Ash (guitarra), David J (baixo) e Kevin Haskins (bateria). Os Bauhaus distinguiam-se da Joy Division, dos The Cure e da maior parte das bandas pioneiras do “rock gótico” por possuírem uma gama de influências mais vasta, que incluía glam rock, dub e psicadelismo – sempre numa declinação tenebrosa – e por serem mais abrasivos e alucinados, o que ajuda a explicar a incompreensão com que In the Flat Field foi recebido, à época, pela imprensa musical britânica. A faixa que dá título ao álbum é emblemática do som Bauhaus: a voz possuída de Murphy, a guitarra cáustica de Ash, o baixo obsessivo de David J e a bateria tribal e incansável de Haskins conspiram para criar a visão de “um campo raso” povoado de espectros.

[“In the Flat Field”]

4. “Kaleidoscope”, Siouxsie & The Banshees

Entre o segundo álbum, Join Hands, e o terceiro, Kaleidoscope, os Banshees que acompanhavam Siouxsie Sioux perderam o guitarrista John McKay (substituído efemeramente por Robert Smith, dos The Cure) e o baterista Kenny Morris. As novas “aquisições” para os lugares deixados vagos revelaram-se escolhas acertadíssimas: o guitarrista John McGeoch (um ex-Magazine), que ficaria até sofrer um esgotamento nervoso no final de 1982 e acabaria por ser um dos mais criativos entre os sete guitarristas que a banda conheceu em duas décadas de existência, e o baterista Budgie (um ex-The Slits), que juntaria os trapinhos com Siouxsie e ficaria até à dissolução da banda, e foi um dos bateristas mais inventivos, fluidos e “tribais” de um género dominado por bateristas robóticos e minimais.

Os dois recrutas contribuíram para injectar nova vida na banda e o público reagiu bem, fazendo o single “Happy House” chegar ao lugar 17 do top e o álbum ao lugar 4. O videoclip de “Happy House” acolhe Budgie (ainda sem a trunfa oxigenada e eriçada que se tornaria na sua imagem de marca), mas não McGeoch, apesar do seu notável trabalho de guitarra, talvez por ainda estar “à experiência” e não ter sido admitido oficialmente como um Banshee – também não aparece na capa do álbum.

[“Happy House”]

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5. “Crocodiles”, Echo & The Bunnymen

Nos seus primórdios, em Liverpool, em 1978, os Echo & the Bunnymen não tinham baterista, sendo a sua função desempenhada por uma caixa de ritmos, o que levou a que surgisse a lenda (infundada) de que o nome da banda tivera origem na marca da caixa de ritmos (que era uma Korg Minipops – na verdade nem sequer há uma marca ou modelo de caixa de ritmos com o nome “Echo”). Em 1979, Pete de Freitas, nascido na ilha de Trinidad, tomou o lugar da maquineta e ficou definida a formação clássica da banda, com o vocalista e guitarrista Ian McCulloch (vindo dos The Crucial Three, banda irremediavelmente instável, já que continha três galos para um só poleiro: McCulloch, Julian Cope e Pete Wylie), o guitarrista Will Sergeant e o baixista Les Pattinson.

O álbum de estreia, Crocodiles, que inaugurou a actividade da Korova, uma etiqueta subsidiária da Warner, dá a ouvir uma banda bastante madura para as tenras idades dos seus membros (entre 19 e 22 anos, à data da gravação) e que se destacava das outras bandas post-punk pelo inteligente jogo entre as guitarras de McCulloch e Sergeant, fazendo lembrar a parceria Tom Verlaine/Richard Lloyd nos Television, e pela voz ágil e expressiva de McCulloch (que nos momentos mais solenes tem laivos de Jim Morrison).

[“Going Up”]

6. “Jeopardy”, The Sound

Outra das estreias notáveis de 1980 na Korova foi a da banda londrina The Sound, liderada por Adrian Borland (voz e guitarra), que já tinha experiência prévia na banda punk The Outsiders, que lançara dois álbuns não muito bem recebidos pela crítica.

A nova banda, com Benita (“Bi”) Marshall (teclados), Graham Bailey (baixo) e Michael Dudley (bateria) obteria o favor da crítica e gravaria mais quatro álbuns (com Colvin Mayers no lugar de Bi Marshall), mas nunca logrou o reconhecimento que merecia, o que acabou por agravar a propensão de Borland para a depressão. O frontman dos The Sound acabou por sofrer um colapso nervoso em 1987 e a banda dissolveu-se pouco depois.

Embora Jeopardy tenha sido, formalmente, o primeiro álbum da banda, em 1979 os The Sound já tinham gravado (além do EP Physical World) material suficiente para preencher um álbum, mas este manteve-se inédito durante 20 anos e só foi editado com o título Propaganda, a 26 de Abril de 1999, que foi precisamente o dia escolhido por Borland, cuja instabilidade mental viera a agravar-se e já tentara suicidar-se por três vezes, para se atirar para a frente de um comboio.

[“I Can’t Escape Myself”]

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7. “Half-Mute”, Tuxedomoon

Em 1980, o post-punk era ainda um fenómeno essencialmente britânico, mas em São Francisco, os Tuxedomoon, após terem lançado dois EPs, No Tears (1978) e Scream With a View (1979), apresentavam Half-Mute, o álbum de estreia, perante a quase completa indiferença do mundo – para o que contribuiu ter sido editado na obscura Ralph Records.

Por esta altura, a banda era formada por Blaine L. Reininger (violino, guitarra, teclados, etc.) Steven Brown (saxofone, teclados, voz, etc.) e Peter Principle (baixo, guitarra, teclados, etc.); a banda não tinha baterista, sendo a sua função confiada à caixa de ritmos. A sonoridade lúgubre, descarnada e mecânica da banda (por vezes de um alheamento catatónico, como em “Loneliless”) não granjeou muitos admiradores nos EUA, mas criou suficientes fãs na Bélgica e Holanda para que os Tuxedomoon se mudassem para Bruxelas (após uma fase nova-iorquina) e admitissem membros belgas.

[“Loneliness”]

8. “Remain in Light”, Talking Heads

A colaboração dos Talking Heads com Brian Eno, iniciada em More Songs About Buildings and Food (1978) e consolidada no excelente Fear of Music (1979), acedeu a um patamar ainda mais alto com Remain in Light, que, em plena justiça, deveria ter sido co-creditado a Eno, que, além de produtor e multi-instrumentista, foi co-autor de todas as faixas. O álbum contou ainda com vários convidados, como o guitarrista Adrian Belew e o trompetista Jon Hassell.

As influências de música africana e funk no som dos Talking Heads atingiram o zénite neste álbum, cujo pioneirismo e ousadia são tributários, em parte, da colaboração de Eno com David Byrne em My Life in the Bush of Ghosts, que fora gravado antes de Remain in Light mas só foi lançado em 1981, e que se interna ainda mais profundamente na mescla das linguagens do pop, rock e funk com as músicas do mundo.

[“Born Under Punches (The Heat Goes On)”]

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9. “Fourth World vol. 1: Possible Musics”, Jon Hassell & Brian Eno

Pela mesma altura, o espírito efervescente e visionário de Brian Eno abordava também o casamento de electrónica e músicas do mundo em duo com o trompetista Jon Hassell, que já começara a explorar estes territórios (ainda virgens, à data) nos álbuns Vernal Equinox (1977) e Earthquake Island (1978).

Hassell absorvera os ensinamentos de Karlheinz Stockhausen (de quem foi aluno em Colónia), do pioneiro minimalista Terry Riley (com quem colaborou no álbum In C) e do músico indiano Pandit Pran Nath (com quem estudou na Índia no início dos anos 70) e fundiu-os numa original síntese, mediada pela multiplicidade de sons obtidos na sua trompete electronicamente processada (que a maioria dos ouvintes desprevenidos não reconhecerá como tal) e do uso recorrente de loops (e, mais tarde, de samples). Hassell definiu o conceito de “Quarto Mundo” como “um som primitivo/futurista unificado que combina aspectos de vários registos étnicos do mundo com técnicas electrónicas avançadas” – e é difícil descrever com maior rigor e concisão o teor de Possible Musics (e da maior parte da carreira de Hassell).

Possible Musics contou com reputados percussionistas de world music, como Naná Vasconcelos e Aïyb Dieng, e vários outros convidados, e tinha todo o lado B ocupado por uma atmosférica divagação de 21’30 de duração, “Charm (Over Burundi Cloud)”. O projecto teria continuação em Fourth World vol. 2: Dream Theory in Malaya, lançado em 1981, apenas sob o nome de Hassell (mas com colaboração de Eno nalgumas faixas).

[“Chemistry”]

10. “Heartattack and Vine”, Tom Waits

Tom Waits viera a construir desde o seu álbum de estreia, Closing Time (1973), a imagem de um cantor de jazz e blues pouco convencional, quer pela interpretação quer pelas letras que evocavam cenas de bas fonds onde se mesclavam surrealismo e ambientes de film noir e que albergavam uma galeria de personagens que se diria saída das fotos de Diane Arbus e Weegee. Mas os fãs de Waits dificilmente estariam preparados para a inflexão operada no seu sétimo álbum, Heartattack and Vine, mais orientado para o lado áspero dos blues e dando maior protagonismo à guitarra eléctrica, e menos ainda para algo tão ostensivamente rústico, “sujo” e desconjuntado como a canção “Heartattack and Vine”, que abre o álbum (e prefigura a sonoridade de Waits a partir de Swordfish Trombones, de 1983). Curiosamente, o disco foi gravado ao mesmo tempo que Waits trabalhava na banda sonora de One from the Heart, de Francis Ford Coppola, cuja música, correspondendo à solicitação do realizador, tinha um cunho mais clássico e polido.

“Heartattack and Vine” seria alvo de uma popular cover por Screamin’ Jay Hawkins e Bruce Springsteen faria o mesmo com “Jersey Girl”, o que dilatou a visibilidade de Waits. A canção alude ao cruzamento do Hollywood Boulevard com a Rua Vine, em Hollywood, onde, na década de 1920, tinham sede várias empresas ligadas ao showbiz e onde se situa o célebre Walk of Fame.

[“Heartattack and Vine”]

Posto de escuta

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