Shahryar Mazgani é um interlocutor cuidadoso. Não porque meça as palavras, mas porque parece esforçar-se e ter gosto por ir ao encontro de quem fala com ele – ouve o que lhe dizem com atenção, aceita dialogar sobre tudo e, quando sente que se afastou demasiado do ponto de partida, termina as respostas com um “espero ter respondido à tua pergunta”. Esse cuidado e essa empatia não se notam apenas nas entrevistas. Escutam-se também nos discos do cantautor luso-iraniano. O mais recente, The Gambler Song, saiu em Fevereiro e será apresentado na quarta-feira, 4 de Março, no Capitólio.
Várias pessoas têm-se referido a The Gambler Song como um disco mais calmo, em oposição ao anterior The Poet’s Death, que tinha um registo mais roqueiro. Eu não sinto isso, mas tu concordas que o novo disco é mais calmo do que os anteriores?
Potencialmente, o anterior The Poet’s Death era mais rock e revelou-se ainda mais rock no palco, pelo menos em alguns momentos. Mas não quero discordar. Até porque a lentidão sempre me interessou. Desde o início que encontro mais facilmente espaço para contar uma história nessa cadência mais lenta.
Mas podes discordar à vontade.
Não quero, e vou dizer-te porquê. Eu fico feliz com a leitura do outro. Acho que a minha leitura do que faço não é necessariamente a melhor. Se alguém encontra algo com que se identifica numa canção, para mim isso é perfeito. Agora, para não fugir à pergunta, e não ser demasiado filosófico, eventualmente havia momentos em que as canções eram mais in your face no The Poet’s Death, apesar de essa lentidão existir também. E aqui é tudo mais contemplativo, se calhar. A toada é mais para um lado do que para outro.
Depois de dois discos com o selo da Sony, o novo álbum foi auto-editado. Porquê?
Porque acabou esse tempo. Eu fui para a Sony pelas pessoas, mais do que pelo interesse em ter uma editora, e essa relação permanece. Inclusivamente, a Sony distribui este disco. Mas o meu percurso sempre foi totalmente independente, fazendo os discos da minha maneira e tendo um certo discurso que, não sendo hermético, não apela a todos. Sempre fiz o que quis fazer, sem grandes compromissos.
Portanto, é indiferente fazeres as coisas sozinho ou com uma editora por trás.
Acho que sim. Desde o início que o meu trabalho, o processo, é mais ou menos idêntico. Espero que agora com mais maturidade, mas com as mesmas referências.
Apesar de teres vivido em Portugal quase toda a vida, as tuas referências musicais são sobretudo anglo-saxónicas: o Leonard Cohen, o Nick Drake... Qual é a tua relação com a música portuguesa, se é que tens alguma?
Tenho muito amor pelos cantautores portugueses. Lembro-me de ser miúdo e ouvir o Zeca, por exemplo. E tenho um grande amor pela Amália, que é mais do que fadista, é a Amália. Mas de certa forma esses nomes, e os que tu mencionas, são indivíduos. Se calhar dizem que o Nick Drake toca folk, mas não: é o Nick Drake. Tem uma assinatura e uma caligrafia. Se calhar dizem que a Amália canta o fado – e canta – mas é a Amália. Vai além do fado. Falam do Leonard Cohen como songwriter. Sim, mas é muito redutor: é o Leonard Cohen. É um poeta. O que sempre me entusiasmou foi a procura dessas pessoas por serem indivíduos. Por serem eles próprios.
E vais acompanhando o que se passa no Irão, onde nasceste?
Inevitavelmente, todos seguimos o que passa lá. Só que eu sigo com uma atenção redobrada, porque tenho uma relação afectiva com o país. Sempre falei farsi em casa, nunca me esqueci da língua e os meus pais tentaram mostrar-me as coisas que eles consideravam bonitas de lá. É um país com uma cultura milenar, com coisas magníficas, com uma tradição poética extraordinária e uma música clássica muito exigente. Tenho todas essas referências que os meus pais me deram e estou-lhes muito grato por isso. Acho que isso afecta muito a forma de eu ver as coisas. Sinto que sou iraniano e que sou português.