Nascidos das cinzas dos Hipnótica, os Beautify Junkyards chegam ao quarto álbum com uma formação que inclui João Branco Kyron (vozes e sintetizadores), Helena Espvall (violoncelo, flauta e guitarra acústica), João Moreira (guitarra acústica e sintetizadores), Sergue Ra (baixo), António Watts (bateria e percussão) e Martinez (vozes). Cosmorama expande o universo tropicalista e psicadélico da banda e pede o título emprestado a uma galeria que existia em Londres na era vitoriana, com projecções de locais distantes e exóticos, um portal para viajar no tempo e no espaço – no fundo, tudo o que pode esperar deste disco.
A pandemia privou-nos de muita coisa, mas não nos tirou a vontade de dançar. Luís Clara Gomes pode ter perdido o seu recreio nas pistas de dança, mas o tempo de confinamento reforçou a vontade de criar. Deu-nos música com os seus DJ sets em live streaming e esteve ocupado a preparar um novo e ambicioso disco como Moullinex. Num ano em que a interacção humana se tornou tão escassa, explorou conceitos como a empatia, trabalhou com inteligência artificial e organizou uma residência artística com neurocientistas, músicos e artistas visuais, que tentaram ilustrar, através da música, o contágio emocional entre pessoas e a arte.
No meio de tudo isso, Luís passou por uma perda pessoal, mas em vez de fugir do que sentia, abraçou a dor e fez algo maior com ela. Convidou a escuridão, substituiu a cor por sombras, o brilho por texturas, a alegria pela melancolia. De repente, tinha um disco novo nas mãos. Chamou-lhe Requiem For Empathy. Ouvindo-o, percebemos que é na escuridão que as estrelas são mais brilhantes. Por momentos, esquecemos a distopia e somos levados para um mundo mais mágico. Aliando a electrónica pulsante a instrumentos orgânicos, conta com colaborações de nomes como GPU Panic, Afonso Cabral, Ekstra Bonus e o arrepiante poder da ancestralidade africana nas vozes de Sara Tavares e Selma Uamusse. É um disco que pede corpos em êxtase, dançando e suando, transando em transe. Mas também abre espaços de contemplação e introspecção, luxuriando na luz, lavando-se em lágrimas.
Apesar de toda a tecnologia, o que sobressai é o calor humano, a densidade emocional. “Neste disco procurei utilizar a tecnologia como pano de fundo para algo mais humano. Quis construir um mundo artificial para que os elementos orgânicos brilhassem mais, como pequenos raios de luz num mundo de sombras”, explica Luís. Numa altura em que o distanciamento e o isolamento nos tornam cada vez mais dependentes da tecnologia, devemos usá-la como “um meio para um fim”, pois só assim poderá “amplificar a nossa própria humanidade”. “Mas temos que reflectir como sociedade no seu impacto na saúde mental, no aumento das desigualdades sociais e na amplificação do discurso de ódio. A tecnologia é uma extensão das nossas intenções. Usamo-la para comunicar, e nesse sentido aproxima-nos, mas questiono-me se a quantidade de ligações prevalece sobre a qualidade das mesmas. Por necessidade, digitalizámos muitos aspectos da nossa vida nos últimos meses, mas os melhores momentos que tive foram as raras oportunidades de ter longas conversas em pessoa.”
Como outros músicos, Moullinex usou o isolamento como uma plataforma para a extravasão e expressão individual. Mas com tanto tempo longe das pistas, o que é que a música fica a perder com a falta de contacto humano? “Na verdade, o contacto humano é que fica a perder com a falta de pistas de dança. A falta que esta experiência colectiva de música ao vivo nos faz ficou evidente neste ano. Não há experiência digital que substitua esse ritual: a dança, o contacto, o suor, o escuro, a música alta. Para muitos, é a sua ida à missa. Estou certo que voltaremos à pista assim que seja seguro, embora me preocupem as marcas que esta pandemia deixará na nossa geração. Para lá dos efeitos directos na saúde e economia, foi tirada a muitos a capacidade de sonhar.”
Com discos adiados, concertos cancelados e sonhos em suspenso, o último ano foi devastador para os músicos, com poucas perspectivas de futuro. “Não foi fácil”, confessa Luís. “Quando crio, imagino muitas vezes a materialização da minha música no espaço e nos outros, e esse tapete foi-me tirado dos pés. Acabei por refugiar-me em espaços imaginados e abstractos, na introspecção, e criei universos musicais e visuais onde não havia tantas âncoras com a realidade. Vejo o processo de fazer música como terapia, e espero sempre que possa sê-lo também para quem a ouve. A música ajudou-me a olhar em frente.” E ainda bem, porque agora há uma luz brilhante ao fundo do túnel: um novo disco e dois concertos. Lisboa e Porto serão os dois primeiros palcos a celebrar estas músicas – primeiro na Culturgest, a 4 de Junho, e depois na Casa da Música, a 9 de Junho. “Acredito que vamos ultrapassar este momento. Apesar das cicatrizes, estou certo que vêm aí as melhores festas de sempre”, assegura Luís. Venham elas, estamos prontos.