Lana Del Rey

Norman Fucking Rockwell!: O Grande Disco Americano de Lana Del Rey

O sexto disco de Lana Del Rey não é só o melhor que ela fez. É um Grande Disco Americano, reflexo do seu país e do mundo

Luís Filipe Rodrigues
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★★★★

O sonho americano nunca existiu. Ou melhor, existiu, mas nunca passou disso mesmo, de um sonho. Algo distante e inatingível, próximo da realidade, ainda que irreal, ao mesmo tempo esquivo e fantasmagórico. Isto na melhor das hipóteses. Os cínicos dirão – e com razão – que o sonho americano nunca passou de propaganda.

Não deixa de ser curioso, e não há-de ser por acaso, que o título do novo álbum de Lana Del Rey alude precisamente a um dos propagandistas desse sonho, o ilustrador Norman Rockwell. Afinal, desde o início que ela canta sobre a América e respectivas mitologias. O seu corpo de trabalho sempre foi anacrónico, olhando e idealizando o passado (sobretudo a idílio americano das décadas de 50 a 70) ao mesmo tempo que o enquadrava e aproximava do nosso presente.

Esta tensão e este anacronismo, transversais à sua música desde o primeiro momento, pareciam postiços quando ela começou a dar que falar no início da década. Contudo, à medida que a internet foi esbatendo a distância entre passado e futuro – hoje tudo acontece e pode ser experienciado ao mesmo tempo – tornaram-se cada vez prescientes. Simultaneamente, o maior engajamento político da cantora desde a eleição de Donald Trump forçou-a a confrontar certas ideias do que foi, é e pode ser aquele país.

É neste contexto que surge Norman Fucking Rockwell!, o seu sexto álbum de originais e o quinto por uma multinacional. Liricamente, soa narcísico e solipsista, centrado em paixões e experiências vividas numa Califórnia fantasiada. Porém, os problemas que ela canta são universais, são os nossos. E a maré de referências inter e metatextuais garante que o disco está constantemente em diálogo com quem o ouve e com o que veio antes.

As alusões a personagens e canções da autora sucedem-se de faixa para faixa, mas também são referidos outros músicos e escritores. Há letras e versos roubados a Elton John, Leonard Cohen, Father John Misty, Crosby, Still, Nash & Young, Tommy James and the Shondells, The Mamas & the Papas (ou pelo menos a standards popularizados por eles), Joni Mitchell, Cat Power, David Bowie ou The Beach Boys. Até Stephen King e Sylvia Plath. E ainda há uma versão de Sublime que cita Gershwin. Referências dentro de referências. Nada disto é novo, até porque o álbum anterior partilhava o título com um clássico de Iggy Pop, e o seu primeiro disco por uma multinacional tinha nome de canção de Bruce Springsteen. No entanto, nunca soou tão consciente, tão premeditado, tão avassalador.

E depois há a música, os instrumentos. Uma massa de pianos, guitarras, cordas e sintetizadores em tons de sépia que à primeira vista podem soar monótonos e indistintos na sua melancolia narcotizada, mas com o tempo revelam nuances e complexidade emocional, sem nunca perderem a coerência. É um som que descende da folk californiana dos anos 60 e 70 e de um certo psicadelismo, todavia parece sintonizado com a pop de hoje, graças à produção de Jack Antonoff, que também ajudou a moldar o som de boa parte do último disco de Taylor Swift.

Norman Fucking Rockwell! é um grande disco de Lana Del Rey. É um grande disco americano. É um grande disco, ponto. Não obstante, é mais do que isso. É um espelho para o nosso presente. E para as nossas vidas.

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