A restauração floresce a grande velocidade na capital. Não se sinta desactualizado e marque já mesa – é só escolher a gastronomia que mais lhe apetece hoje.
É jornalista, crítico gastronómico, escritor de receitas e o mais extravagante dos três membros das primeiras onze temporadas do popular júri do programa televisivo MasterChef Australia. Mas o multifacetado Matt Preston já teve outra vida. Nascido e criado em Londres, estudou política na universidade e foi DJ e membro de pelo menos umas três bandas de punk rock no final dos anos 1970. A mudança para a Austrália aconteceu apenas em 1993. Em entrevista à Time Out durante a sua estadia em Lisboa, o britânico, com um sotaque por vezes difícil de decifrar, mas muito à-vontade e com bastante sentido de humor, faz o resumo do seu golpe de sorte, fala sobre a sua relação com a música e a comida e dá dicas sobre os utensílios essenciais em qualquer cozinha. Como bom conversador, não se esquece de referir o roteiro gastrónomico que fez em Portugal, desde o peixe do Algarve aos diferentes pastéis e bolos que provou em Lisboa. Veio por causa do lançamento da edição portuguesa do seu livro de receitas Delicioso, Fácil, Rápido (29,90€), rendeu-se à gastronomia portuguesa e promete voltar em breve.
É conhecido pelo seu papel como jurado no Masterchef Austrália e pela sua coluna semanal nos jornais Daily Telegraph e no Sunday Times. Mas existem inúmeras referências ao seu passado mais ao menos secreto enquanto DJ num pub local e músico punk rock, em Chelsea, Londres. Como é que se deu a mudança?
Eu não era muito bom na música. Adorava. Acho que uma das primeiras receitas que inventei foi com uma das bandas com quem tocava. Estávamos todos desempregados e cada um de nós dava 50 cêntimos para comprar cebola, puré de batata, sardinhas enlatadas e feijão cozido. Era terrível, mas nós achávamos que estávamos a cozinhar. Eu era jovem. Estúpido. Ingénuo. Não sabia nada. Quando me mudei para a Austrália, foi para escrever sobre televisão. Depois um amigo começou uma revista e perguntou-me se eu queria escrever uma coluna de crítica de restaurantes e pensei “agora estou a ser pago para ver televisão, o que é muito bom, mas posso vir a ser pago para jantar, o que é ainda melhor!”. Aceitei e fui muito sortudo, porque não havia regras sobre como deveria escrever, nem nenhum livro de estilo. Atirei-me de cabeça. Durante dez anos, escrevi críticas e receitas, até o MasterChef aparecer. Estavam à procura de dois chefs e queriam saber a minha opinião sobre quem deveriam chamar para uma audição. Já sabiam que eu percebia de comida e aproveitaram para me pedir uma fotografia. Só ia haver dois jurados e de repente eu era o terceiro. Escolheram-me com base na fotografia. Não quiseram o meu currículo, saber onde é que eu cozinhava, que prémios tinha ganho. Eles gostaram do meu lenço e do facto de eu ser um pouco chubby chic.
Fotografia: Inês Félix
Em 2009, quando lançou o seu primeiro livro, Cravat-A-Licious, também lançou “Music From Another Platter”, uma colecção de dois CD’s de música para ouvir enquanto se cozinha e para ouvir enquanto se come. Para si, a música e a comida têm muito em comum?
Música é muito melhor que comida. Se formos comer fora, temos um momento a dois. Mas se formos ver uma banda podemos ter um momento com 50 mil pessoas. Não temos essa experiência com a comida. Talvez na festa da sardinha, em Alfama. Mas é provavelmente mais por causa do fado do que por outra coisa qualquer. Agora também faço rádio, partilho o meu amor pela música e adoro. Não consigo pensar em nada mais divertido. Se me perguntares os meus seis pratos preferidos, digo-te em cinco minutos. As minhas seis músicas preferidas? Demoraria três dias.
Ouve música enquanto cozinha?
Sim, ajuda-me a trabalhar mais rápido. E também gosto de ouvir música às refeições, porque preenche as pausas nas conversas. A música faz tanto parte da minha vida como a comida.
Dez anos depois, já escreveu mais de dez livros. O Delicioso, Fácil, Rápido foi lançado em 2017, mas só chegou a Portugal em Junho deste ano. Além de receitas que demoram menos de meia hora a preparar, o que é que os leitores portugueses podem esperar?
O primeiro livro foi batota [porque é uma selecção de artigos já publicados]. Depois é que comecei realmente a escrever livros de receitas. Este é sobre comida saborosa e foi ideia da minha filha. Estávamos a conversar e perguntei-lhe que nome deveria dar ao meu livro. Ela disse “pai, a tua comida é saborosa, fácil e rápida [de fazer]. Esse devia ser o título”. Odeio títulos metafísicos. Gosto da ideia de que podemos julgar um livro pela capa. Neste vais encontrar, por exemplo, almôndegas, porque adoro almôndegas. Adoro grandes sabores e adoro formas simples de levar grandes sabores para a mesa. Adoro comida que te faz pensar “meu deus, isto é delicioso”. A essência é pôr o forno a fazer o trabalho todo, minimizar não o tempo que se cozinha, mas o tempo que demoramos a preparar as coisas.
O que é que tem na sua cozinha que o ajuda a tornar o processo de cozinhar uma experiência mais rápida e prazerosa? E, claro, quais são as suas receitas ou ingredientes preferidos?
Utensílios que adoro? Uma espátula de silicone. É resistente ao calor e podemos usá-la para mexer ingredientes, para limpar a taça do bolo ou para pôr maionese num frasco de vidro. Se tivermos colheres de madeira e as pusermos dentro de um copo de água a ferver, depois de cinco minutos cheiramos e percebemos que absorvem os sabores todos. As espátulas são mais higiénicas. Mais? Um microplane para ralar queijo e para raspar laranjas e limões. Gosto de usar ervas frescas, cozinhar lentamente carne ensopada e conseguir obter acidez. As pessoas normalmente usam sal e pimenta para temperar. Eu acho que se deve usar sal e qualquer coisa ácida, como sumo de limão ou vinagre, porque a acidez, tal como o sal, ajuda a concentrar o sabor.
Fotografia: Inês Félix
Falou um pouco sobre os seus utensílios preferidos, mas quais é que acha que são essenciais em qualquer cozinha?
Fornos baratos para fazer pizza, que custam, sei lá, quarenta euros. São fantásticos, fazem coisas que tu não podes fazer. Pizza é, provavelmente, o melhor prato, se não conseguirmos encontrar linguado grelhado, que é a minha comida preferida de momento. Estive no Algarve e é o meu peixe preferido. Mas, se não for linguado, tem de ser pizza. Por isso é que ter um forno próprio é tão bom. Porque é difícil fazer uma boa pizza sem um forno desses. Outro utensílio que adoro é o liquidificador, porque dá para fazer maionese e processar sopas, por exemplo. Não precisam de ser ferramentas caras. Há melhores maneiras de gastar dinheiro. Talvez valha a pena comprar uma máquina de fazer gelados. Adoro gelados.
Temos muitas gelatarias artesanais em Lisboa.
Passei por uma loja com gelados em forma de flor [a Amorino]. Olhei e quis mesmo tirar uma fotografia para o Instagram.
O que achou da comida algarvia?
Acho que nunca tive tantas recomendações para ir a um restaurante como tive para a Noélia e o Jerónimo. Há uma vila, Santa Luzia, conhecida pelo polvo. Ainda não fui lá, mas tenho uma lista de sítios onde ir quando voltar. Adoro polvo. Temos bom polvo na Austrália. Eu aprendi a fazê-lo à maneira grega. Temos de o bater quarenta vezes contra uma pedra para amaciar a carne e depois grelhamos e [comemos] com Uzo [bebida alcoólica grega feita à base de anis] e pepino. É como bacon. Bacon e mar. Delicioso.
E do tempo?
Eu venho da Austrália, por isso esta ideia de calor seco é encantadora. O tempo estava fantástico. Parece-se com a Austrália em certos aspectos. As pessoas no Algarve são muito semelhantes às pessoas de Vitória. São divertidas, inteligentes, um pouco reservadas e muito educadas. Diverti-me imenso. Já estamos a falar sobre voltar e passar cá um mês. É óptimo também para a forma como gosto de cozinhar e para os ingredientes que gosto de usar. Tem limões, figos, nectarinas. E o peixe é maravilhoso.
Já tem um top cinco das melhores coisas que comeu em Portugal?
Tenho, mas o problema é que cada vez que digo que qualquer coisa está no meu top tenho portugueses a dizer “sim, mas devias ter provado isto”. Quando eu escrevi sobre o quão impressionante é o uso de ovos e açúcar [na doçaria conventual portuguesa], por causa das cornucópias da Pastelaria Alcôa, alguém disse “não mencionaste o pão-de-ló”. Eu provei pão-de-ló, mas estava a guardar para outra publicação, porque queria dizer que o pão-de-ló é melhor no dia seguinte. Também adorei a massa folhada do Pastel de Tentúgal. Adorei o recheio. Também adorei o recheio do pastel de nata, mas é a massa que faz a diferença. Provei os pastéis de Belém e são muito bons. O que é interessante é que Lisboa está a sofrer esta revolução turística e os pastéis de Belém, apesar de serem obviamente muito turísticos, mantêm uma qualidade mesmo muito boa. Isso não acontece com a maioria dos sítios que se tornam populares entre os turistas. Normalmente a qualidade baixa e a comida torna-se uma imitação pobre do que os lisboetas conhecem e adoram. Acho que devemos ser responsáveis por garantir que os negócios reflectem o verdadeiro coração da cidade. Se me vais fazer um pastel de bacalhau, é melhor que seja bom.
Não adorou o pastel de bacalhau…
Não gostei. Se vou a um sítio comer pastel de bacalhau, tem de ser bom. Caso contrário, como turista, digo que é terrível, que é batata esmagada e que o pastel de bacalhau português não é tão bom como o “stamp and Go” jamaicano. Não é justo, porque os turistas não sabem que, se forem à casa da tua mãe ou da tua avó, o pastel de bacalhau vai ser mais crocante e ter 80% de bacalhau e 30% de batata, porque é assim que deve ser. O mais interessante foi a reacção do público. Disseram-me, no Instagram, “foste a um sítio turístico péssimo.” Mas, quer dizer, está na tua cidade, representa o que tu és, por que é que não me dizem onde devo ir? Algumas pessoas até disseram que as suas mães fazem melhor. Sim, as tuas mães fazem, mas eu não posso ir a casa delas. Se eu procurar na Internet os melhores sítios para comer em Portugal, tenho de encontrar um bom top 5, que diga que tenho de ir ao Time Out Market para comer isto ou a este sítio ou àquele. É vossa [dos portugueses] responsabilidade. Os turistas não têm de saber.