Estamos na Mercearia Prado, ao lado do Prado, restaurante de um discípulo seu...
Acho que é melhor chamar “um colega meu”, “um amigo meu”... (ri)
... de quem foi mentor. Como se vê nesse papel de mentor?
O Tó Zé... quer dizer, o António [Galapito, chef do Prado], é um fantástico cozinheiro e uma fantástica pessoa. Tentei criar um espaço [refere-se à Taberna do Mercado, em Londres, onde trabalharam juntos] onde ele se pudesse desenvolver, tanto na cozinha como pessoalmente, e, felizmente, tem tido sucesso. Tenho muita curiosidade em ver como a coisa se vai desenrolar porque ele é fantástico.
Quais foram os seus mentores? Aqueles com quem aprendeu e contra quem quis reagir?
Todos nós temos um bocadinho dessas duas partes: a das pessoas que gostamos e que nos ensinam, e aquela rebelião a certas coisas que já não vemos da mesma maneira. Na realidade, tenho tido a sorte de ter conhecido vários cozinheiros que se estão a dar bastante bem. Tento criar espaços onde as pessoas possam crescer e devia haver mais cozinheiros assim. Ainda se vê muita tensão na cozinha, ainda se vê o talento a não ser ajudado, um pouco à antiga. Não se cria espaço para um cozinheiro conseguir crescer, e a cozinha mais moderna tem de estar mais sensibilizada para isso.
Como é o Nuno na cozinha?
A cozinha sempre foi, para mim, um espaço feliz, um espaço alegre e criativo. Não conseguiria viver numa cozinha tensa e agressiva, não conseguiria funcionar assim porque não tem nada a ver como a minha personalidade. Crio ambientes onde isso se reflita: é importante manter a calma na cozinha e ajudar os outros através do diálogo – o diálogo é muito interessante: quando começamos a falar uns com os outros, acerca da cozinha, acerca de ideias, toda a equipa fica motivada e há uma união, o sentimento de sermos uma equipa coesa. Há muitos espaços onde não existe o diálogo e isso faz com que se percam ideias.
Cozinhar é um jogo de equipa...
Sim, sempre trabalhei assim. Tenho o gosto de dizer que sempre fui assim e sempre tentei criar esse tipo de espaço e as pessoas que trabalharam comigo, a maior parte delas, seguem essa filosofia.
E como é que um miúdo do punk hardcore chega à cozinha?
Sempre tive uma paixão enorme pela cozinha. Tanto a música como a cozinha são expressões de liberdade e criatividade. Ambas são metódicas, organizadas, mas têm um lado criativo e muito livre. Isso sempre me aliciou. Sempre quis fazer coisas que tivessem a ver comigo, sempre tentei ter a minha identidade na cozinha, trazer as minhas histórias, as minhas viagens e as minhas experiências de vida para a cozinha.
Quando é que sentiu que já tinha conquistado a sua identidade na cozinha?
Somos muitos – e agora ainda mais com as partilhas nas redes sociais – e cada vez estamos a ser mais “invadidos”. A expressão “cópia” é cada vez mais difícil de se encontrar ou manter. Há algum tempo que já sinto que aquilo que faço tem uma certa forma. Continuo a criar coisas novas mas consigo reconhecer alguns dos elementos. E isso tem muito a ver com a minha vida. Consigo ser verdadeiro na cozinha se trouxer as minhas experiências, aquilo que senti, as emoções que tive.
Traz memórias mas também traz saudades para a sua cozinha...
Muitas. Bastantes saudades. Um terço de memórias, um terço de saudades e um terço de tentar caminhar para a frente e olhar para o futuro.
Pede desculpa por não se lembrar de algumas palavras em português, mas não precisa. Ao longo dos 41 minutos de entrevista foram apenas seis aquelas que manteve em inglês, língua que fala diariamente desde que saiu de Portugal, há 26 anos. Passou por Miami, Nova Iorque e São Francisco, nos Estados Unidos, ou pela Ásia, até se fixar em Londres, onde abriu – e fechou – O Viajante, pontuado com uma estrela durante a sua existência.
O chef de Chiltern Firehouse, Taberna do Mercado e Mãos – e uma das 50 pessoas mais influente da capital britânica segundo a Time Out Londres–, prepara-se para abrir o seu primeiro projecto no Bairro Alto Hotel, em Lisboa: o BAHR (será também responsável por toda a restauração do hotel que inaugura em 2019). Já não se lembrava do quanto a luz de Lisboa, mesmo no Inverno, consegue ferir a vista e lamentou não ter trazido os óculos escuros, enquanto olhava pela janela da Mercearia Prado, na Rua das Pedras Negras.