Cineasta, Activista,  Lolo Arziki
©Gabriell Vieira Lolo Arziki
©Gabriell Vieira

A Lisboa negra de Lolo Arziki

Música para dançar até de manhã, comida para aconchegar em qualquer altura, marcas inovadoras e projectos sociais. Há uma Lisboa a acontecer pelas mãos de pessoas negras que toda a gente deveria conhecer.

Cláudia Lima Carvalho
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Cineasta e activista. Duas facetas de Lolo Arziki praticamente impossíveis de dissociar. Muito do que faz é consequência da sua experiência – por cá, pelo Luxemburgo, por Cabo Verde, pelo Brasil. Tem 29 anos e não dá descanso à luta, mesmo quando a luta parece querer vencê-la pelo cansaço, como aconteceu recentemente quando viu o seu filme Sakudi, sobre representatividade queer em Cabo Verde, ser censurado pela Associação de Cinema e Audiovisual de Cabo Verde. Segundo a decisão, Sakudi não promove a diversidade cultural do país. “Mas, quando questionados sobre porque é que um filme que fala sobre pessoas LGBT não respeita um regulamento que diz que se deve promover a diversidade cultural, eles dizem que não entendem como é que falar de pessoas LGBT está relacionado com Cabo Verde”, conta Lolo, que não se deixou ficar e lançou uma campanha de crowdfunding para terminar o projecto. Sentada à porta da Bazofo, na Cova da Moura, Lolo Arziki não quer focar a conversa demasiado em si. Quer antes falar das coisas boas que acontecem ali e noutras zonas pelas mãos de pessoas negras que não se resignam ao lugar da rejeição. Que não vem apenas de fora, mas também da comunidade, muitas vezes por desconhecimento. “Precisamos de nos fortalecer”, diz. E problematiza: “Por conta de toda a pressão racial, a pessoa negra tenta aproximar-se do branco o mais possível para ser aceite e isso implica também consumir o que o branco consome. Mas as condições financeiras não são as mesmas, os nossos acessos não são os mesmos, não temos os privilégios que as pessoas brancas de modo geral têm”. “É uma esquizofrenia, não é saudável, vivemos aqui para ser aceites pela pessoa branca”, atira, reforçando a importância de um consumo consciente. “Não preciso de aceitação dessas pessoas para existir.”

Da revista para o Centro Cultural de Cabo Verde: Lisboa Negra é agora uma exposição

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  • Grande Lisboa

“O Vítor [Sanches] sempre trabalhou para a comunidade, tem uma visão forte e quer sempre fazer as coisas de dentro para fora, fazer com que as pessoas venham à Cova da Moura e quebrem estereótipos sobre o bairro. Quando consumo uma t-shirt Bazofo, sei para quem é que esse dinheiro vai. As t-shirts são muito bonitas e de qualidade, feitas por costureiras da Cova da Moura. Não é só uma marca de t-shirts, é uma marca que vai empoderando economicamente outras pessoas envolvidas, além de dar formação a jovens da comunidade. Promove ainda a leitura de autores negros porque crescemos sem referência desses autores. E há o cinema, fizemos aqui o cineclube e estava sempre cheio. Foi o primeiro lugar a receber o meu trabalho, Relatos de uma Rapariga Nada Púdica, sobre ser lésbica no contexto cultural de Cabo Verde. É mais do que uma marca, é um projecto social, político, artístico.”

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“É um cabeleireiro de uma mulher negra, que já tem sede em Lisboa e no Porto. Quando conheci a Nádia, ela fazia penteados em casa. É uma pessoa muito empreendedora e emprega várias pessoas das comunidades negras de Lisboa. Até já conseguiu que o seu trabalho fosse para lá da comunidade. Hoje penteia artistas bem conhecidos, como a Blaya, a Soraia Ramos ou a Ana Sofia. A Nádia entendeu que não é porque estamos aqui que não devemos expandir. E acho fixe que, mesmo tendo essa visibilidade, continue aqui e mantenha muitos projectos sociais – no Porto, por exemplo, corta o cabelo a sem-abrigos regularmente. Tem as mãos mágicas e eleva a cultura das tranças, que era vista de forma muito marginalizada. Ela conseguiu trazer essa celebração da estética negra.”

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  • Grande Lisboa
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“Sou cabo-verdiana e por isso não pode faltar cachupa. O que destaco aqui é como ele [Fox] consegue pegar num prato típico e criar várias opções. Tradicionalmente, a cachupa ou é de carne, ou de peixe, e ele até já tem cachupa de marisco, vegetariana... Eu gosto da cultura que se transforma, gosto quando se percebe que a cultura não é uma coisa estática, que pode sofrer transformações tendo em conta os espaços que habita. A cachupa tradicionalmente chama-se de cachupa rica, o que é mais rico que a cultura?”

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“É uma marca de streetwear, inspirada na cultura hip-hop de Portugal. A marca é do Uncle-C, que sempre fotografou o hip-hop. Um mano negro que cresceu em Santa Filomena, na Amadora, e que valoriza a cultura do hip-hop aqui na Linha de Sintra. Faz também a personalização de roupas e sapatos com graffiti, ou seja, faz upcycle e um sapato velho vira novo”.

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Kahumbi

“É uma marca que se afirma pela representatividade queer negra. E é importante porque nós, as pessoas negras e queer, continuamos à margem de toda a sociedade, de toda a comunidade, infelizmente. É preciso também dar um beliscão à comunidade negra que continua a não querer dialogar com pessoas negras e queer. E por isso a Kahumbi é um safe space. E Naára também trabalha muito com tecidos africanos, tem um consumo muito afrocentrado, comprando-lhe estás a gerar dinheiro para outras pessoas negras.”

Instagram: @kahumbi_. Loja Boudoir: Avenida Almirante Reis, 238 A (Alameda)

  • Bares
  • Chiado

“Fica no centro de Lisboa, no Rossio, e poucas pessoas sabem que o dono é negro. É um bar muito fixe, muito frequentado, com bebidas acessíveis de qualidade, mas as pessoas não relacionam isso a uma pessoa negra. Como é que uma pessoa negra pode ter um bar no centro da cidade?”

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Casa T

“Foi criada por uma mulher trans negra brasileira, que é a Aquilla, com o intuito de alojar pessoas trans e queer imigrantes que vêm para Lisboa e muitas vezes não têm onde ficar porque sofrem de discriminação. É um projecto especial e muito importante. É um lugar que se deve apoiar através do crowdfunding sempre aberto. As pessoas trans vivem situações muito vulneráveis”.

Instagram: @casa_t_lisboa. casatlisboa@gmail.com

Lisboa é uma cachupa rica

  • Coisas para fazer

Formou-se em engenharia, mas é na comunicação que se sente completa. É radialista na Cidade FM, criadora de conteúdos e youtuber. “Batalhei para ir tendo as minhas oportunidades e sei que estou numa posição quase privilegiada nesse sentido, por ter uma voz, mas sei que há uma série de profissionais capazes, negros, que acabam por ficar pelo caminho”, refere.

  • Coisas para fazer

Nasceu no Togo, antiga colónia de alemães, franceses e ingleses. Chegou há sete anos a Portugal e, passado pouco tempo, percebeu que a história africana da cidade não era assunto para os de cá, os mesmos que dizem viver numa Lisboa multicultural. Feita de quê? Escravatura, colonialismo, guerra, imigração e outros tantos factores fazem da cidade o que é hoje.

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  • Coisas para fazer

Dino D’Santiago canta “Nova Lisboa”, mas sabe que não é tão nova assim. Novo talvez seja o olhar que nos conseguiu pôr nos olhos. “Infelizmente, ainda há muito preconceito”, diz. Mas a nova geração é mais desprendida e assume que “somos todos crioulos e vamos começar uma nova narrativa”. E essa narrativa começa nas periferias de Lisboa, onde está “a diversidade toda”.

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