São as melhores séries disponíveis na Netflix em Portugal. Tudo o que tem de fazer é sentar-se e escolher.
No cinema, já foi o deus-rei Xerxes (300), o revolucionário cubano Raúl Castro (em Che, o díptico de Steven Soderbergh) e uma lenda do futebol brasileiro (Heleno: O Príncipe Maldito). Agora é a vez de fazer uma figura histórica também para televisão (onde já o vimos em Perdidos ou Westworld). Rodrigo Santoro faz Fernão de Magalhães em Sem Limites, minissérie de seis episódios que se estreia esta sexta-feira, 24 de Junho, na Amazon Prime Video. É o retrato de um homem obstinado e que ficou para a História como o visionário e principal executor da primeira viagem de circum-navegação, cujo final está prestes a fazer 500 anos. Não foi o navegador português a concluí-la, foi o espanhol Juan Sebastián Elcano, que a série dirigida por Simon West (A Filha do General, Lara Croft: Tomb Raider) coloca como co-protagonista e é interpretado pelo “professor” Álvaro Morte. Nada que menorize Magalhães aos olhos do actor brasileiro, que para esta entrevista pôs o seu melhor sotaque de português de Portugal. Vê-se que vestiu a camisola – perdão, a camisa.
Gosta mais de ver ou de fazer reconstituições históricas?
Eu adoro ver filmes, sou um amante do cinema, mas gosto muito do que faço. Acho que iria com o fazer, realizar.
O que o cativou nesta série?
A história fascinante de uma personagem complexa e muito polémica. Herói, vilão, traidor... Quando comecei a pesquisar, [encontrei] muitas opiniões diferentes, contraditórias, mas isso foi ainda mais estimulante. Quem teria sido esse homem? Queria saber do homem. Não do herói, romântico, do explorador, do navegador, dos títulos e adjectivos. Interessava descobrir um pouco quem teria sido Fernão de Magalhães.
E o que descobriu?
Um montão de coisas. Tive muito tempo para estudar. O guião me chegou pouco antes do primeiro confinamento da pandemia [em 2020] e esperei um ano até rodar. Então, por um ano, eu estive confinado com minha esposa, minha filha e com Magalhães. Sempre que tinha um tempo livre, pesquisava. Depois trabalhei também com uma historiadora [a espanhola Vanesa de Cruz] que me conseguiu muito material. Por exemplo, o testamento de Magalhães, em que era possível perceber que era extremamente religioso e um pouco da sua infância também. Da história de que fica órfão e cresce na Corte [portuguesa], mas que não era nobre. Trabalhou como pajem na Corte e tem uma relação muito complicada com o rei. Era um soldado no começo e vai para a guerra e luta por Portugal em várias batalhas, mas nunca se sentia reconhecido. Isso vai alimentando uma espécie de orgulho ferido. E aquele momento em que começa a estudar astronomia e navegação. Ele tinha acesso à biblioteca náutica e aos documentos, e descobre a tal carta onde estaria o estreito [ao sul do continente americano] e se convence disso. Planeja... Na verdade, isso nasce porque numa viagem, em que passa pelas ilhas Molucas, ele fica tão impressionado que tem vontade de voltar para esse lugar. E aí junta essa vontade com a ideia de que existe ali um estreito e imagina, tem a visão dessa extensão, e leva ao rei de Portugal, que não o recebe. Não era uma prioridade. Então, pede permissão para ir a outro monarca. O rei concede e ele vai. O que está na literatura é que, como o rei espanhol era muito jovem, acabado de chegar, belga, mal falava espanhol, e estava precisando mostrar [obra], as coisas se unem e ele acaba convencendo o rei [Carlos I de Castela a financiar a expedição]. O que eu senti foi que pude me aproximar para tentar humanizar a personagem e não fazer uma caricatura. Um homem muito solitário, muito duro, mas com uma força! Um grande homem. Genial, com uma visão e uma força obsessiva. E resiliente, muito resiliente.
Nas suas leituras, conseguiu perceber o ressentimento português pelo facto de ele se ter tornado um herói espanhol.
Sem dúvida. Inclusive vi muitos intelectuais portugueses discutindo online com opiniões divergentes, mas é importante o contexto. Muitos não sabem o que aconteceu. O julgamento vem simplesmente de ‘ah, ele foi para Espanha como traidor, pedir dinheiro lá’. Não sabem o que aconteceu antes. Por isso era importante para mim entender. Eu não estou julgando. Como artista, tenho que ser um intérprete e não vou defender se fez certo, se fez errado. Apenas estou reconstruindo. Mas uma coisa posso dizer: estudei muito. Nunca estudei tanto. Porque tinha muito tempo – estava trancado em casa sabendo que ia fazer este personagem gigantesco. Então, me sinto preparado para conversar com um historiador a qualquer momento. Completamente preparado para um debate.
Acha que a série vai ser bem recebida em Portugal? Portugal não fica muito bem visto…
Não tenho essa impressão. É preciso entender que é um projecto espanhol, financiado pela Espanha – adoraria que tivesse sido financiado por Portugal, mas não foi. Inclusive tem cenas em português que não estavam no guião inicial. Logo no princípio, quando li, falei: os momentos em que Magalhães está falando com Duarte Barbosa [Gonçalo Diniz] vão ser em português, né? Não, não, é em espanhol, porque toda a série é em espanhol. Digo: não, não, eu preciso da língua portuguesa presente. Esse é um personagem que é património português e não faz sentido. Quando um português falar com outro português vamos falar português. Mas isso foi um trabalho – longo! – em pré-produção. E conseguimos. A interpretação de como fica Portugal, Espanha, Magalhães, Elcano, quem é o herói, o vilão, são interpretações e sempre existirão várias. Para mim, é um grande personagem, que tem camadas, que tem história, que tem profundidade. Não é um documentário, naturalmente. É baseado no que a gente tem de documentos históricos, com licenças criativas, como todo o drama de ficção. Mas não vejo Portugal saindo como vilão. Vejo uma produção espanhola financiada pela Espanha, por exemplo colocando [no centro narrativo] o Elcano, um personagem que se você procura na internet vai achar poucas coisas.
Portugal fica malvisto, mas por culpa própria, ou seja, pela falta de visão da Coroa portuguesa para perceber o que estava em causa.
A verdade é que esta relação [de Magalhães com o rei português, Manuel I], pelo que apurei, tinha também algo pessoal. Tinha um problema. O Magalhães era muito atrevido. Ele chegava e falava [alto] e causava [confusão]... Tanto é que o ministro fala [na série]: “As últimas audiências não foram boas.” Pensavam que não o podiam levar a sério.
Essa impetuosidade também passa na série, primeiro na cena com o ministro português e depois na cena com o rei espanhol.
Sim. Deixa eu te dizer uma coisa. Existe um dado específico sobre esta expedição: ela não tinha o objectivo de colonização. Era uma expedição comercial. Apesar de sangue ter sido derramado, de ter encontros com territórios, de ter evangelização durante o processo, o objectivo era comércio. Ampliar o comércio. Descobrir essa rota, garantir esta rota para comerciar o que era mais valioso: as especiarias das Índias. O cravo era mais valioso do que o ouro, e mais leve para transportar. Você enchia o barco de cravo e era uma fortuna. A maioria das expedições foi de colonização, mas esta foi comercial.
Na série, menciona-se várias vezes a palavra “descobrimentos”, que há muito deixou de ser uma palavra consensual. Em Portugal...
Invasão!
Invasão, expansão... Era por aí que ia. Queria saber como é que esta questão de vocabulário o toca, tanto mais sendo brasileiro.
É preciso contextualizar. São homens da sua época e é a língua da sua época. O texto foi escrito como se estivera naquela época. Hoje estamos discutindo esta questão – da colonização, do patriarcado, são questões que estão sendo discutidas, revisitadas, pensadas. Naturalmente, ao olhar em 2022 para o que aconteceu em 1519, é preciso contextualizar. Mas sem dúvida a palavra descobrimento é uma narrativa que foi construída, culturalmente, desde aquela época. Hoje vemos de outra maneira.
Participou numa das primeiras séries de grande impacto desta época de ouro da televisão, Lost [Perdidos]. Ainda estávamos longe da omnipresença do streaming em que vivemos hoje. Fazer televisão, a este nível, é diferente agora do que era há 15 anos?
Lost foi a primeira, eu acho, que de certa forma começou a incentivar a produção de séries. Foi um sucesso muito grande. Eu participei na terceira temporada, mas eram muito mais episódios. Vinte e tantos por temporada... Hoje temos dez, treze... Nesse caso, uma minissérie, são seis. Hoje tem mais investimento. Com a chegada das plataformas de streaming a gente viu um crescimento, inclusive um movimento de actores que faziam mais cinema fazendo séries, e eu acho que a maior diferença está na quantidade de conteúdo, no dinheiro investido. Isso aumenta também a qualidade. Mas continuamos contando histórias. Difícil falar de uma grande diferença de lá para cá. O mundo mudou. As coisas que a gente discute hoje são diferentes, mas o que [aconteceu] foi que cresceu. E precisa também, né? Porque com as plataformas tem uma demanda muito grande.
O Álvaro Morte é um dos actores mais populares da televisão nos últimos anos, devido a La Casa de Papel. Como foi trabalhar com ele? Tratava-o por professor?
[Risos.] Não. Não tratava como professor, mas fazia uma pequena piada de vez em quando. Quando a gente estava numa situação complicada, eu falava: vai ter plano maestro para esta situação? O professor sempre tinha uma solução para tudo. Cheguei a brincar com ele algumas vezes. Foi uma boa relação. Eu o conhecia pela Casa de Papel e aqui nós trabalhámos a relação das personagens de Elcano e Magalhães, porque, sendo uma produção espanhola, o Elcano é um personagem muito importante nesta série, nesta narrativa. Então precisámos construir a relação, que era um pouco antagónica, mas ao mesmo tempo Magalhães, como líder, comandante, visionário, precisava deste piloto, que tinha este conhecimento, esta habilidade. Então, como encontrar subtilmente, pouco a pouco, uma forma de começarem a respeitar um ao outro, de começarem a se relacionar. Foi um processo de colaboração mesmo, todos os dias, cada cena, conversávamos: como que vamos fazer aqui, quê que você acha disso... Sempre com diálogo, respeito, diplomacia – por todas as questões –, mas eu estava com a camisa de Portugal, não tenha dúvidas.
Amazon Prime Video. Sex (estreia)