Sem Limites
Amazon Prime VideoRodrigo Santoro em ‘Sem Limites’
Amazon Prime Video

Rodrigo Santoro: “Fernão de Magalhães era muito atrevido”

O actor brasileiro encarna o explorador português em ‘Sem Limites’, uma série espanhola da Amazon Prime Video. Em entrevista, Santoro diz que nunca estudou tanto para um papel. “Por um ano, estive confinado com minha esposa, minha filha e Magalhães.”

Hugo Torres
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No cinema, já foi o deus-rei Xerxes (300), o revolucionário cubano Raúl Castro (em Che, o díptico de Steven Soderbergh) e uma lenda do futebol brasileiro (Heleno: O Príncipe Maldito). Agora é a vez de fazer uma figura histórica também para televisão (onde já o vimos em Perdidos ou Westworld). Rodrigo Santoro faz Fernão de Magalhães em Sem Limites, minissérie de seis episódios que se estreia esta sexta-feira, 24 de Junho, na Amazon Prime Video. É o retrato de um homem obstinado e que ficou para a História como o visionário e principal executor da primeira viagem de circum-navegação, cujo final está prestes a fazer 500 anos. Não foi o navegador português a concluí-la, foi o espanhol Juan Sebastián Elcano, que a série dirigida por Simon West (A Filha do General, Lara Croft: Tomb Raider) coloca como co-protagonista e é interpretado pelo “professor” Álvaro Morte. Nada que menorize Magalhães aos olhos do actor brasileiro, que para esta entrevista pôs o seu melhor sotaque de português de Portugal. Vê-se que vestiu a camisola – perdão, a camisa.

Gosta mais de ver ou de fazer reconstituições históricas?
Eu adoro ver filmes, sou um amante do cinema, mas gosto muito do que faço. Acho que iria com o fazer, realizar.

O que o cativou nesta série?
A história fascinante de uma personagem complexa e muito polémica. Herói, vilão, traidor... Quando comecei a pesquisar, [encontrei] muitas opiniões diferentes, contraditórias, mas isso foi ainda mais estimulante. Quem teria sido esse homem? Queria saber do homem. Não do herói, romântico, do explorador, do navegador, dos títulos e adjectivos. Interessava descobrir um pouco quem teria sido Fernão de Magalhães.

E o que descobriu?
Um montão de coisas. Tive muito tempo para estudar. O guião me chegou pouco antes do primeiro confinamento da pandemia [em 2020] e esperei um ano até rodar. Então, por um ano, eu estive confinado com minha esposa, minha filha e com Magalhães. Sempre que tinha um tempo livre, pesquisava. Depois trabalhei também com uma historiadora [a espanhola Vanesa de Cruz] que me conseguiu muito material. Por exemplo, o testamento de Magalhães, em que era possível perceber que era extremamente religioso e um pouco da sua infância também. Da história de que fica órfão e cresce na Corte [portuguesa], mas que não era nobre. Trabalhou como pajem na Corte e tem uma relação muito complicada com o rei. Era um soldado no começo e vai para a guerra e luta por Portugal em várias batalhas, mas nunca se sentia reconhecido. Isso vai alimentando uma espécie de orgulho ferido. E aquele momento em que começa a estudar astronomia e navegação. Ele tinha acesso à biblioteca náutica e aos documentos, e descobre a tal carta onde estaria o estreito [ao sul do continente americano] e se convence disso. Planeja... Na verdade, isso nasce porque numa viagem, em que passa pelas ilhas Molucas, ele fica tão impressionado que tem vontade de voltar para esse lugar. E aí junta essa vontade com a ideia de que existe ali um estreito e imagina, tem a visão dessa extensão, e leva ao rei de Portugal, que não o recebe. Não era uma prioridade. Então, pede permissão para ir a outro monarca. O rei concede e ele vai. O que está na literatura é que, como o rei espanhol era muito jovem, acabado de chegar, belga, mal falava espanhol, e estava precisando mostrar [obra], as coisas se unem e ele acaba convencendo o rei [Carlos I de Castela a financiar a expedição]. O que eu senti foi que pude me aproximar para tentar humanizar a personagem e não fazer uma caricatura. Um homem muito solitário, muito duro, mas com uma força! Um grande homem. Genial, com uma visão e uma força obsessiva. E resiliente, muito resiliente.

Nas suas leituras, conseguiu perceber o ressentimento português pelo facto de ele se ter tornado um herói espanhol.
Sem dúvida. Inclusive vi muitos intelectuais portugueses discutindo online com opiniões divergentes, mas é importante o contexto. Muitos não sabem o que aconteceu. O julgamento vem simplesmente de ‘ah, ele foi para Espanha como traidor, pedir dinheiro lá’. Não sabem o que aconteceu antes. Por isso era importante para mim entender. Eu não estou julgando. Como artista, tenho que ser um intérprete e não vou defender se fez certo, se fez errado. Apenas estou reconstruindo. Mas uma coisa posso dizer: estudei muito. Nunca estudei tanto. Porque tinha muito tempo – estava trancado em casa sabendo que ia fazer este personagem gigantesco. Então, me sinto preparado para conversar com um historiador a qualquer momento. Completamente preparado para um debate.

‘Sem Limites’
Amazon Prime Video‘Sem Limites’

Acha que a série vai ser bem recebida em Portugal? Portugal não fica muito bem visto…
Não tenho essa impressão. É preciso entender que é um projecto espanhol, financiado pela Espanha – adoraria que tivesse sido financiado por Portugal, mas não foi. Inclusive tem cenas em português que não estavam no guião inicial. Logo no princípio, quando li, falei: os momentos em que Magalhães está falando com Duarte Barbosa [Gonçalo Diniz] vão ser em português, né? Não, não, é em espanhol, porque toda a série é em espanhol. Digo: não, não, eu preciso da língua portuguesa presente. Esse é um personagem que é património português e não faz sentido. Quando um português falar com outro português vamos falar português. Mas isso foi um trabalho – longo! – em pré-produção. E conseguimos. A interpretação de como fica Portugal, Espanha, Magalhães, Elcano, quem é o herói, o vilão, são interpretações e sempre existirão várias. Para mim, é um grande personagem, que tem camadas, que tem história, que tem profundidade. Não é um documentário, naturalmente. É baseado no que a gente tem de documentos históricos, com licenças criativas, como todo o drama de ficção. Mas não vejo Portugal saindo como vilão. Vejo uma produção espanhola financiada pela Espanha, por exemplo colocando [no centro narrativo] o Elcano, um personagem que se você procura na internet vai achar poucas coisas.

Portugal fica malvisto, mas por culpa própria, ou seja, pela falta de visão da Coroa portuguesa para perceber o que estava em causa.
A verdade é que esta relação [de Magalhães com o rei português, Manuel I], pelo que apurei, tinha também algo pessoal. Tinha um problema. O Magalhães era muito atrevido. Ele chegava e falava [alto] e causava [confusão]... Tanto é que o ministro fala [na série]: “As últimas audiências não foram boas.” Pensavam que não o podiam levar a sério.

Essa impetuosidade também passa na série, primeiro na cena com o ministro português e depois na cena com o rei espanhol.
Sim. Deixa eu te dizer uma coisa. Existe um dado específico sobre esta expedição: ela não tinha o objectivo de colonização. Era uma expedição comercial. Apesar de sangue ter sido derramado, de ter encontros com territórios, de ter evangelização durante o processo, o objectivo era comércio. Ampliar o comércio. Descobrir essa rota, garantir esta rota para comerciar o que era mais valioso: as especiarias das Índias. O cravo era mais valioso do que o ouro, e mais leve para transportar. Você enchia o barco de cravo e era uma fortuna. A maioria das expedições foi de colonização, mas esta foi comercial.

Sem Limites
Amazon Prime VideoRodrigo Santoro em ‘Sem Limites’

Na série, menciona-se várias vezes a palavra “descobrimentos”, que há muito deixou de ser uma palavra consensual. Em Portugal...
Invasão!

Invasão, expansão... Era por aí que ia. Queria saber como é que esta questão de vocabulário o toca, tanto mais sendo brasileiro.
É preciso contextualizar. São homens da sua época e é a língua da sua época. O texto foi escrito como se estivera naquela época. Hoje estamos discutindo esta questão – da colonização, do patriarcado, são questões que estão sendo discutidas, revisitadas, pensadas. Naturalmente, ao olhar em 2022 para o que aconteceu em 1519, é preciso contextualizar. Mas sem dúvida a palavra descobrimento é uma narrativa que foi construída, culturalmente, desde aquela época. Hoje vemos de outra maneira.

Participou numa das primeiras séries de grande impacto desta época de ouro da televisão, Lost [Perdidos]. Ainda estávamos longe da omnipresença do streaming em que vivemos hoje. Fazer televisão, a este nível, é diferente agora do que era há 15 anos?
Lost foi a primeira, eu acho, que de certa forma começou a incentivar a produção de séries. Foi um sucesso muito grande. Eu participei na terceira temporada, mas eram muito mais episódios. Vinte e tantos por temporada... Hoje temos dez, treze... Nesse caso, uma minissérie, são seis. Hoje tem mais investimento. Com a chegada das plataformas de streaming a gente viu um crescimento, inclusive um movimento de actores que faziam mais cinema fazendo séries, e eu acho que a maior diferença está na quantidade de conteúdo, no dinheiro investido. Isso aumenta também a qualidade. Mas continuamos contando histórias. Difícil falar de uma grande diferença de lá para cá. O mundo mudou. As coisas que a gente discute hoje são diferentes, mas o que [aconteceu] foi que cresceu. E precisa também, né? Porque com as plataformas tem uma demanda muito grande.

O Álvaro Morte é um dos actores mais populares da televisão nos últimos anos, devido a La Casa de Papel. Como foi trabalhar com ele? Tratava-o por professor?
[Risos.] Não. Não tratava como professor, mas fazia uma pequena piada de vez em quando. Quando a gente estava numa situação complicada, eu falava: vai ter plano maestro para esta situação? O professor sempre tinha uma solução para tudo. Cheguei a brincar com ele algumas vezes. Foi uma boa relação. Eu o conhecia pela Casa de Papel e aqui nós trabalhámos a relação das personagens de Elcano e Magalhães, porque, sendo uma produção espanhola, o Elcano é um personagem muito importante nesta série, nesta narrativa. Então precisámos construir a relação, que era um pouco antagónica, mas ao mesmo tempo Magalhães, como líder, comandante, visionário, precisava deste piloto, que tinha este conhecimento, esta habilidade. Então, como encontrar subtilmente, pouco a pouco, uma forma de começarem a respeitar um ao outro, de começarem a se relacionar. Foi um processo de colaboração mesmo, todos os dias, cada cena, conversávamos: como que vamos fazer aqui, quê que você acha disso... Sempre com diálogo, respeito, diplomacia – por todas as questões –, mas eu estava com a camisa de Portugal, não tenha dúvidas.

Amazon Prime Video. Sex (estreia)

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