Chamamos-lhes tascos e, além da comida tradicional, são guardiões do típico e caloroso convívio portuense. Raul Simões Pinto conhece bem estes lugares – lançou o primeiro livro sobre o tema em 2007 e escreveu o Roteiro dos Tascos do Porto em 2015, que em Junho de 2023 teve direito a uma segunda edição. À conversa com o autor, não resistimos a fazer-lhe uma pergunta: quais os seus tascos favoritos?
Quando tinha apenas cinco anos, Raul Simões Pinto deu por si a viver e dormir num tasco. Foi entre as paredes do 39, assim conhecido por ficar neste número da Rua da Pasteleira, que se apaixonou por este universo, ainda que à primeira vista possa parecer pouco atractivo – e até mesmo nada recomendado – para crianças. “O meu pai era taberneiro, o que me permitiu crescer num ambiente marcado pela ideia de convívio, solidariedade e amizade”, começa por contar o portuense. Com os clientes, que tanto discutiam futebol como política, Raul aprendeu muita coisa, inclusive a ler. “Quando estavam às voltas com o jornal, costumavam chamar-me e iam lendo conforme apontavam as letras. A dada altura, já conseguia fazer a leitura sozinho”, lembra. Entre petiscos, também se jogavam jogos tradicionais, das cartas ao dominó e às damas, bebiam-se copos de vinho e ajudava-se o outro da forma que fosse possível. “As pessoas conheciam-se pelo nome, sabiam como estava a família, como andava o trabalho e preocupavam-se. Eram outras vivências”.
Aos 11 ou 12 anos, o 39, onde se tornou anti-salazarista, teve de ficar para trás. “Tivemos de sair porque a renda começou a subir demasiado. Fomos praticamente despejados”. Passaram-se cerca de cinco décadas e a realidade desse estabelecimento é cada vez mais comum a tantos outros que se espalham pelo Porto. Recorda, por exemplo, a Adega de São Martinho, que existia na Rua D. João IV. “Era um sítio emblemático, dos mais tradicionais que havia. A dona, que morava no andar de cima, ainda fazia as contas em escudos, no mármore de balcão, antes de converter o valor para euros. Estava parado no tempo, fiel ao que sempre foi, até que compraram o edifício para construir um hotel”, revela. Em 2016, 46 anos depois de ter assumido o negócio, Maria Teresa Teixeira teve de o deixar.
“O Porto está a perder a alma. Em 2007, para As Tascas do Porto, consegui reunir 100 espaços. Quando, em 2015, fiz um novo roteiro, já só encontrei 50. Cerca de oito anos depois, para conseguir manter este número, precisei deixar as fronteiras da cidade. Fui a Gaia, Matosinhos, Maia e Gondomar à procura de dez sítios que pudessem ocupar o lugar dos que se perderam, seja por terem fechado ou por terem abdicado das suas características típicas”, explica. A tendência é para piorar. “Com a grande pressão imobiliária, que obriga os proprietários a abandonar as casas em que cresceram e sempre trabalharam, é provável que, daqui a algum tempo, não haja tascos no Porto. É preciso protegê-los antes que desapareçam e, com eles, as nossas tradições, a nossa gastronomia, o que nos distingue. Corremos o risco de nos tornar num destino igual a todos os outros, o que nem aos turistas interessa”, partilha.
Além da “loucura” em que se têm transformado as rendas, Raul vê outros motivos para o declínio destes bastiões da memória tripeira, como o envelhecimento das pessoas que os dirigem e o pouco interesse das novas gerações. “Os jovens preferem, cada vez mais, outros ambientes. É preciso apresentar-lhes estes espaços. Sem ligação geracional, vão perder-se”, garante. Mesmo que com um futuro incerto, ainda há tascos extremamente tradicionais dentro dos limites da cidade. Raul falou com a Time Out sobre os seus favoritos.