Gastão Celestino Teixeira, o homem que resgata corpos do Douro
© Cátia da CostaGastão Celestino Teixeira, o homem que resgata corpos do Douro
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10 heróis do Porto com histórias que vale a pena conhecer

Pela Invicta há vidas que davam livros. Enquanto não são escritos, apresentamos-lhe alguns heróis do Porto com histórias que vale a pena conhecer

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Uma mulher que se tornou a primeira portuguesa cientista-astronauta e um homem que há 23 anos resgata quem cai ou se atira ao rio Douro são apenas dois exemplos das mentes brilhantes que povoam a cidade. Esta lista cheia de heróis do Porto, cujas histórias vale a pena conhecer, é um apanhado das vidas dos portuenses que se dedicam a fazer da Invicta um lugar melhor. Abraçam causas e projectos em diferentes áreas (da tecnologia ao ambiente, da astronomia à saúde), que têm um impacto positivo na cidade, no país e no mundo. Sente-se confortavelmente enquanto bebe uma chávena de café de especialidade ou um chá quente e leia estas histórias.

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10 heróis locais com histórias que vale a pena conhecer

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“Lembro-me de ter sete ou oito anos e de pôr os meus vizinhos a apanhar lixo comigo”, ri. De olhos no passado, Ana Milhazes recorda que desde pequena se preocupa com questões ambientais. Incentivou a vizinhança, fez parte do Clube do Ambiente da escola e, em casa, a reciclagem e o vegetarianismo tornaram-se modos de vida.

Apesar da ligação à natureza – Ana nasceu na Póvoa de Varzim, mudou-se para Vila Nova de Gaia, mas nunca perdeu a ligação à praia e ao mar – a maior parte do seu tempo era passado no escritório. “Trabalhei quase dez anos como formadora, software tester e gestora de projecto na área de sistemas de informação”, descreve.

Em simultâneo, com a agenda cheia, começou a praticar e a dar aulas de ioga e a pesquisar sobre o minimalismo. Foi por essa altura que descobriu o conceito de desperdício zero. “Como é que uma pessoa que se preocupa com o ambiente faz tanto lixo?”, questionou-se. Investigou e descobriu o livro Zero Waste Home, de Bea Johnson, e aplicou as premissas da autora no seu dia-a-dia.

Em 2016 criou um grupo de Facebook para “fomentar a partilha de experiências”. As expectativas não eram altas, mas a adesão surpreendeu-a. Em três anos, juntaram-se cerca de 6500 pessoas e formou-se um movimento a nível nacional. Hoje, Ana Milhazes dedica a maior parte do seu tempo ao Movimento Lixo Zero Portugal.

Limpezas de praias, acções de sensibilização para a redução de plástico, dicas para a redução do consumo e aconselhamento de produtos sustentáveis são algumas das áreas que aborda nos seus workshops, que já aconteceram em espaços como o hostel Selina, o Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC) ou o festival EcoPorto, e em palestras em escolas e empresas. “Tenho tentado envolver a comunidade”, explica. Tudo porque quer uma cidade, um país e um planeta mais limpos.

2. Nuno Centeno, o primeiro português a integrar a Apollo 40 under 40, lista que distingue 40 personalidades da área cultural

Conversas, jantares com artistas e o convívio com galeristas, críticos e curadores foram, desde sempre, uma constante na vida de Nuno Centeno, o que não é de estranhar, sabendo que é filho de Sobral Centeno, destacado pintor português. O gosto e o interesse pela arte, contudo, nunca lhe foram impostos. “Surgiram de uma forma muito natural, muito espontânea”, revelou o empreendedor, que sempre soube que queria trabalhar em arte. A única dúvida era se seguiria as pisadas do pai ou se seria galerista, contou. A segunda opção acabou por vencer, porque nesta profissão “conseguia ter acesso a mais experiências, através de artistas diferentes”.

A decisão foi tomada quando regressou ao Porto, depois de vários anos fora e de passagens por países como o Brasil, onde estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Inglaterra e Alemanha. Em 2007 abriu a primeira galeria, a Reflexus, que, mais tarde, herdou o seu nome.

De lá para cá nota diferenças no meio. “Há mais feiras para fazer, mais eventos para participar, por isso, as galerias também têm de se profissionalizar mais”, explicou Centeno, que não deixou de realçar a importância que a temporada fora teve no seu trabalho. “Influenciou muito porque pude ver mais do mundo e, dessa forma, sentir mais. E mudou a minha forma de estar e de ser, além de me ter tornado mais atento, mais desperto. Motivou-me a querer fazer mais e melhor”.

Nuno, que venceu este ano o prémio do melhor stand da feira internacional Frieze, em Nova Iorque, definiu o seu papel no meio como o de “trazer à galeria um cunho muito pessoal, uma identidade própria”, estendendo a sua personalidade através da programação.

Para o futuro, o também membro do Conselho Municipal de Cultura do Porto tem como objectivos “continuar a crescer, a expandir e a mudar, sempre que necessário, as tendências da galeria”, não em função do público, mas das alterações pessoais que vai sofrendo, fórmula que tem resultado nos seus 11 anos de carreira.

A distinção da revista Apollo — The International Art Magazine, que o integrou na lista dos 40 melhores agentes culturais da Europa abaixo dos 40 anos, é só uma das provas e fá-lo sentir “recompensado por todo o esforço desempenhado ao longo dos anos”. Mostra também que “Portugal começa a ser um país muito valorizado, que as pessoas começam a olhar para nós”. 

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O interesse pela língua gestual veio da curiosidade, explica Ana Bela Baltazar. Esta despertou quando visitou uma associação de surdos e, pela primeira vez, ficou a conhecer pessoas que viviam com esta incapacidade. Ao conviver com elas e com os desafios que enfrentavam, o interesse foi aumentando. Quando teve a oportunidade de fazer formação, agarrou-a.

Vinte e sete anos depois pouco lhe falta fazer na área. Já trabalhou como intérprete em conferências, palestras e workshops, e como oradora e formadora em seminários. De tudo o que fez e faz, o que lhe dá mais gozo é traduzir a informação na RTP. “É muito exigente e obriga-me a acompanhar as notícias, a própria língua gestual e os gestos que vão surgindo, para fazer um bom trabalho”.

Outra área da qual gosta bastante é a de tradução nos tribunais, porque sente que sem a sua presença “na grande maioria das situações a verdade não vinha ao de cima”. O único dicionário online de língua gestual portuguesa é um dos seus últimos projectos. Surgiu oito anos depois do lançamento de um outro em papel, também da sua autoria, e já pode ser consultado, gratuitamente, no site da Infopédia.

É composto por mais de 5300 entradas, acompanhadas por um vídeo demonstrativo, uma descrição escrita do gesto e uma imagem com a configuração correcta das mãos. Apesar do grande número de entradas, Ana já fala na possibilidade de o dicionário ser aumentado, uma vez que “a língua gestual está em constante desenvolvimento e sofre alterações”.

A também psicóloga clínica acredita que, nos últimos anos, o conhecimento do país sobre a língua gestual “deu um salto exponencial”, graças, em parte, “ao investimento das televisões, pelo que agora raramente se vê um programa sem intérpretes”. Mas diz que ainda há muito para aprender – “isso consegue-se com educação” – e salienta que muitas das conquistas foram conseguidas por causa de obras como o dicionário”.

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Em 1970, com 14 anos, tornou-se funcionário da Cervejaria Gazela. “Nessa altura a tendência era as pessoas deixarem os estudos e irem trabalhar”, explica. Foi isso que fez. Quando chegou ao Porto, vindo de uma aldeia do concelho de Armamar, em Viseu, já trazia o objectivo de trabalhar na casa que hoje dirige, até porque, “embora não conhecesse o espaço, uns familiares já lá tinham trabalhado”.

Os anos foram passando, até que houve a oportunidade de comprar o estabelecimento. E foi assim que Américo Pinto se tornou o proprietário da casa de cachorrinhos mais famosa da Invicta. Quase 50 anos depois, pouca coisa mudou (e ainda bem!). Os cachorrinhos mantêm a receita original: são feitos com pão fininho e estaladiço, salsicha e linguiça de grande qualidade, e queijo derretido, tudo pincelado com manteiga e molho picante.

O que não se mantém igual é o espaço, que tem crescido de dia para dia. Prova disso foi a nomeação para os The World Restaurant Awards na categoria dos House Specials. “Inicialmente não me apercebi. Foi o cozinheiro de um restaurante que veio falar comigo”, conta. Américo não deu grande importância à questão, até perceber que estava nos cinco finalistas. “Aí fiquei surpreendido”, confessa. A Cervejaria Gazela foi o único restaurante português a concurso.

Outra prova de mérito deste espaço foi a visita do chef e apresentador americano Anthony Bourdain em 2017. Sentou-se ao balcão da Batalha, comeu cachorrinhos e gravou imagens para o programa Parts Unknown. Américo recorda o dia com um sorriso: “Foi um momento fantástico.” Para ter uma ideia do sucesso, por dia são feitos cerca de 800 cachorrinhos nas duas casas. Sim, porque o balcão da Travessa Cimo da Vila deixou de ser suficiente para o número de clientes famintos e, em Junho de 2018, abriu a segunda casa na rua de Entreparedes. 

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Quis ser astronauta, como qualquer criança. Contudo, o interesse pelas rochas, pelos minerais e pelo mar, aos quais juntou, mais tarde, a paixão pela robótica e pelos sistemas autónomos, acabou por vencer. Já com um mestrado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores e com um Doutoramento em Geociências, é que começou a desenvolver um interesse mais científico pelo espaço e pelo o que este esconde.

Este surgiu quando Rui Moura, em 2016, se tornou no primeiro cientista-astronauta português, conta. Cerca de dois anos mais tarde, também ela decidiu candidatar-se ao curso do projecto POSSUM – Ciência Suborbital Polar na Alta Mesosfera, apoiado pela NASA. Contou com o apoio do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) e do Instituto Politécnico do Porto (IPP), instituições às quais está ligada, para participar no desafio.

Foi seleccionada entre centenas e juntou-se a mais 11 pessoas, de países como o México, a França e a Colômbia, de diferentes áreas. Havia psiquiatras, neurocirurgiões e engenheiros aeroespaciais. A formação incluiu aulas teóricas remotas e aulas práticas na Embry-Riddle Aeronautical University, na Flórida, que deram a Ana a possibilidade de “simular uma missão, com fato espacial”, experimentar a ausência de gravidade e a de entrar dentro de uma câmara hiperbárica para perceber os efeitos da hipoxia, a falta de oxigénio, nos astronautas.

Com o diploma na mão, Ana Pires, que mensalmente reúne com a equipa dos EUA para perceber como pode contribuir com os seus conhecimentos, diz querer continuar a formação. O próximo passo é participar num novo curso, “também ligado ao uso de fatos espaciais e técnicas relacionadas com a geologia lunar e de Marte. Desta vez será no Arizona, no local em que os astronautas da NASA treinam”. No momento, anda à procura de apoios que financiem uma propina que ronda os 2500 euros.

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Numa família de 16 irmãos, Gastão Celestino Teixeira foi o único a herdar o vício do pai pelo rio. Abraçou-o de tal forma que, ainda hoje, todas as manhãs, excepto nas de domingo, “porque um homem também tem de dedicar um tempo à família”, parte da Madalena, onde vive, em direcção à Ribeira. À sua espera tem O Lobo do Mar, um barco azul que utiliza há mais de 20 anos para resgatar os corpos de quem cai ou se atira ao Douro.

Desde que aqui chega, por volta das 09.00, até à hora de regresso a casa, pelas 19.00, o olhar está sempre atento (mesmo durante esta conversa). Quando nota algo que não pertence às águas do rio, assume a missão de o resgatar. Enquanto tiver forças é um trabalho que quer continuar a fazer, revelou o homem que se recusa a perder um corpo para o rio e que há muito perdeu a conta aos que já resgatou.

Apesar do colete da Protecção Civil que lhe deram pela ajuda, o seu trabalho é totalmente voluntário. Nunca recebeu nenhuma compensação financeira pelo que faz e conta que também nunca o pretendeu. Por instantes fica com os olhos marejados e relembra a impotência que sentiu quando o motor do seu barco avariou e se viu incapaz de suportar o custo.

Para quem sofre quando não consegue chegar a tempo (numa missão que não lhe dá muita margem de manobra), não poder sair de terra é ainda pior. Por sorte, emprestaram-lhe um motor e, entretanto, amigos e familiares conseguiram juntar o dinheiro de que precisava.

Em 2016 foi distinguido com a Medalha de Mérito de grau ouro pela Câmara Municipal do Porto. Apesar da felicidade que sentiu pela “honra”, explica que as verdadeiras medalhas são outras. Como a vez em que um jovem de 16 anos saltou da ponte Infante D. Henrique. “Quando me avisaram, peguei no barco e fui até lá. Resgatei-o com vida e penso que ainda hoje vive. Depois, o pai veio cá agradecer-me e dar-me um abraço. São essas as medalhas que tenho”, concluiu.

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7. Teresa Lago, antiga professora que assumiu o cargo de secretária-geral da União Astronómica Internacional

São 30 anos a olhar as estrelas do céu. A astrofísica portuguesa é a nova secretária-geral da União Astronómica Internacional, a mais importante organização de astronomia do mundo. O cargo chegou depois de três anos como secretária-geral adjunta desta autoridade internacional, responsável pela atribuição dos nomes oficiais de todos os corpos celestiais e das suas superfícies.

Mas para trás ficou um trabalho notável. Licenciada em Engenharia Geográfica pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP), e doutorada em Astronomia pela Universidade de Sussex, no Reino Unido, em 1985 foi distinguida com o Prémio Henri Chrétien da Sociedade Americana de Astronomia. Em 1989 fundou e foi a primeira directora do Centro de Astrofísica da UP. É membro da Royal Astronomical Society e integrou os painéis de conselheiros da Sociedade Astronómica Europeia, da Agência Espacial Europeia e da Comissão Europeia.

E não se ficou por aqui. Em 2005, foi uma das 22 personalidades europeias escolhidas para ser membro fundador do conselho científico do Conselho Europeu de Investigação. O seu percurso pioneiro nos domínios da astronomia moderna e da astrofísica inspirou, em 2007, a conferência internacional “Teresa Lago amongst friends”. Para este novo mandato, que se prolonga até 2021, a sua prioridade é a inclusão. A todos os níveis.

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Quis ser professora, mas a curiosidade, aliada aos CDs e aos livros da série Era Uma Vez O Corpo Humano, falou mais alto. “Os meus pais costumam dizer que eu não parava de os questionar. Perguntava, por exemplo, o porquê das manchas pretas na pele das vacas”, descreve divertida.

À procura de respostas, Joana Caldeira foi estudar Microbiologia para a Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto. Já licenciada, voou para Sevilha com uma bolsa de investigação e por lá ficou durante dois anos até concluir o Doutoramento misto no IPATIMUP, em 2012.

Desde então, dedica os seus dias à investigação, nos laboratórios do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S). Em simultâneo, cumpre também o seu desejo de infância, dedicando parte do seu tempo à comunicação da ciência, participando, sempre que possível, em palestras em escolas e na Mostra da Universidade do Porto, e desempenhando o papel de mentora na Universidade Católica.

O projecto CRISPR4DISC valeu-lhe 15 mil euros e o Prémio L’Oréal “Mulheres na Ciência”. Trata-se de uma investigação que tem como objectivo regenerar os discos intervertebrais, um conjunto de articulações que dão flexibilidade à coluna e a ajudam a suportar o peso do corpo. A sua degeneração é responsável pela dor lombar.

“A nossa estratégia é utilizar uma tecnologia de edição genética que funciona como um processador de texto. Nós chegámos às ‘letras’ do ADN e podemos apagar, escrever de novo ou colocar a negrito para ficarem mais visíveis. Assim voltamos a expressar genes do microambiente que existia nos fetos, que tem um maior potencial regenerador”, explica Joana.

O estudo ainda não terminou, mas, caso os resultados sejam os esperados, 70% da população mundial poderá viver mais anos com qualidade de vida e cerca de 150 mil milhões de euros, gastos anualmente em despesas de saúde e baixas médicas, poderão ser poupados.

Outras histórias

  • Coisas para fazer
Qual foi o primeiro espectáculo que viu no Teatro Nacional São João [TNSJ]? Era miúdo, foi A Tempestade do [encenador Silviu] Purcarete. Lembro-me também de ter ido ver o Dom Duardos [de Gil Vicente]. Pouco tempo depois, fiz lá um espectáculo chamado Porto Monocromático. Que idade tinha? Já estava a viver cá nessa altura? Sim. Tinha 25. Nasci em Canas de Senhorim e fui estudar Direito para Coimbra. Lá, com 17 anos, descobri que não tinha jeito nenhum para ser um causídico ou um jurista e andei perdido durante uns tempos, armado em poeta e boémio, como muita gente fazia em Coimbra naquela altura. Até que entrei para o CITAC [Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra]. Lá encontrei pessoas que sentiam o mesmo. Criámos um grupo, chamado Visões Úteis, e mudámo-nos para o Porto. E como é que em Coimbra foi parar ao teatro? Na Sé Velha havia um café chamado Oásis que tinha colada numa parede uma fotocópia a dizer: “Estão abertas as inscrições para o curso de iniciação do CITAC”. E tinha uma fotografia extraordinária do Kazuo Ohno, mestre do Butoh. Eu não sei muito bem porquê (talvez porque em 1992 Coimbra era a capital do teatro), mas decidi experimentar. Fui o último a ser seleccionado na audição. Depois, contaram-me que só fui escolhido porque era muito alto e podia subir ao escadote e chegar à teia [estrutura com os projectores] [risos]. Chegou ao Porto no final de 1994. Como era o panorama artístico da cidade? Fui viver para a Senhora da Hora, para um quarto nu
  • Coisas para fazer
Este livro conta a história de dois sobreviventes do Holocausto para quem é muito difícil falar sobre o que aconteceu. Com este problema de comunicação e o tempo a extinguir os últimos sobreviventes, este romance é uma forma de preservar a memória? Em parte, sim. Tenho 62 anos e, infelizmente, cheguei à conclusão de que as pessoas não aprendem História. Repetem sempre os mesmos erros. O Brasil é capaz de eleger um fascista, o que me faz pensar que a grande maioria dos seus votantes não tem conhecimento da sua própria ditadura: uma ditadura fascista, que fez com que milhares de pessoas desaparecessem e outros milhares fossem torturados. Como romancista, como ser humano, acho importante conhecermos a nossa História. No caso do Holocausto, que foi um crime contra a humanidade, o que aconteceu pertence a toda a gente, não apenas aos judeus. Esta tentativa de genocídio contém lições que ainda hoje são pertinentes. Por isso, sim, é um livro sobre a memória, sobre estes dois magníficos sobreviventes, Benni e Shelly, e sobre como eles ultrapassaram os traumas, mas também como os transmitiram à família contra a sua própria vontade. As personagens têm uma grande profundidade e carga emocional. O que há aqui de autobiográfico? Há pouco, mas há alguns elementos. Estudei música e conheço bem a música sefardita, por exemplo. Tocava guitarra clássica e estudei flauta. A personagem da Teresa, esposa de Benni, reflecte esse meu interesse pela música sefardita. O Eti, o filho de Benni, pin
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  • Atracções
Quem te vê assim de fato nem imagina que foste expulso de todas as escolas que frequentaste. A escola não era o meu ambiente, não. Fui expulso de todas até que a minha mãe [Luísa Castel-Branco] desistiu e me arranjou um trabalho como inspector publicitário. Tudo o que eu tinha de fazer era ver em que ordem apareciam os anúncios e se as pessoas estavam sentadas na sala de cinema. Passei seis meses da minha vida a ver cinema o dia inteiro. Talvez tenha sido aí que começou o meu gosto pelo storytelling. Depois disso o que é que aconteceu? A minha mãe obrigou-me a tirar um curso profissional de marketing e assim que o terminei fui trabalhar para uma agência de marketing desportivo. Já viste o filme O Diabo veste Prada? Essa era minha chefe. Era estagiário e de manhã tinha sempre um monte de fotocópias para tirar. Um dia, ela pediu-me uma opinião e, como eu lia todas as fotocópias, tinha todas as referências. Ela ficou surpreendida e quando abriu uma empresa nova, levou-me. Foste responsável por uma campanha da Yorn que deu muito que falar há uns anos. Na Yorn valia tudo. Em 1999 ou 2000, eles tinham uma loja no Chiado e eu tive uma ideia: à malta que aparecesse toda nua, nós ofereceríamos a roupa toda. Isto aconteceu numa era pré-redes sociais e, ainda assim, o Jay Leno, na semana seguinte, abriu o programa a falar daquilo. Como achávamos que não ia aparecer ninguém, contratei dez miúdos para se despirem. No dia, ligam-me a dizer que não conseguiam entrar na rua porque estav
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